APAB na Imprensa
A APAB, no seu objectivo de divulgação do modelo e formação, deu uma entrevista para um suplemento do jornal Público (ExLibris – Comunicação e Informação) que saiu no passado dia 11/09/2014.
Essa entrevista está disponível em formato digital e podem lê-la aqui:
http://www.exlibrisci.pt/?p=1457
Se vos fizer sentido, divulguem. Vamos levar este modelo psicoterapêutico mais além!
View PostAPAB no Greenfest ’14
A Associação Portuguesa de Análise Bioenergética vai estar presente no Greenfest ’14 com um workshop vivencial. Estará disponível em diversos horários. Para saberem mais, consultem o programa do festival.
De 9 a 12 de outubro, o Centro de Congressos do Estoril recebe a sétima edição do GREENFEST, o maior evento de sustentabilidade do país. Ao longo de quatro dias vão existir conferências, debates, passatempos, workshops, prémios, animação infantil, feira sustentável, música, atividades radicais e muita animação. O GREENFEST visa sensibilizar os cidadãos e as instituições para as questões da sustentabilidade nos seus três pilares (ambiental, social e económico).
Mais informações e programa disponíveis em www.greenfest.pt
Sobre o GREENFEST:
O GREENFEST é um evento dirigido a todas as idades e procura inspirar a que se passe à ação no terreno. Acreditamos que cada cidadão pode ser um agente de mudança com capacidade de transformar a sociedade. Confiamos que todos aqueles que nos visitam a cada edição saem deste evento com vontade de colocar em prática todos os ensinamentos partilhados. O GREENFEST conta com a organização da Câmara Municipal de Cascais e do Grupo Gingko.
View PostVI Jornadas Ibéricas de Análise Bioenergética
Informamos todos os colegas que as VI Jornadas Ibéricas de Análise Bioenergética terão lugar em Barcelona, nos dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2015.
O tema das Jornadas será: Contribuições para a Análise Bioenergética contemporânea: Neurociências, Vinculação e Trauma.
Quem o desejar, pode participar apresentando comunicações ou workshops. Os procedimentos encontram-se na carta em anexo.
Apelamos à vossa presença e participação!
View PostWorkshop de Desenvolvimento Profissional 2014
Caros membros da APAB,
Damos a conhecer a data e tema do Workshop de Desenvolvimento Profissional de 2014, promovido pelo IIBA.
Este irá realizar-se de 14 a 19 de Outubro em Fuenterrabia, Gipuzkoa, País Basco, Espanha. O tema de trabalho é: “Questões pré-verbais: Aspectos energéticos e emocionais.”
Mais informações e ficha de inscrição no seguinte link:
http://
14º Europeu e 10º Internacional – Congresso de Psicoterapia Corporal
Anunciamos a realização de mais um congresso da European Association for Body-Psychotherapy (EABP).
Vai ter lugar em Lisboa de 11 a 14 de Setembro de 2014, sob o tema “O Corpo em Relação Self-Outro-Sociedade.
Pensamos que este congresso é de todo o interesse para os Terapeutas Bioenergéticos (CBT´s, terapeutas em processo de certificação e para os que ainda estão em formação) e incentivamos a participação de todos!
Para mais informações e inscrições, consultar o seguinte endereço:
http://lisbon2014.eabp-isc.eu/pt2014/pt.php?target=001a.html
View PostSer Psicoterapeuta – Dr. António Menezes Rocha (Comunicação apresentada nas V Jornadas Ibéricas de Análise Bioenergética em Valência, Fevereiro, 2013)
Este artigo está disponível para descarregar/download AQUI.
“Até a mais longa caminhada começa por um pequeno passo”
Confúcio (Filósofo e Teórico Social – 551 – 479 a.C.)
“A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em buscar novos territórios mas sim em ter olhos novos”
Marcel Proust (Autor do romance “Em busca do tempo perdido”)
“Não se pode desatar um nó sem se saber como foi feito”
Aristóteles (384 AC-322 AC) Filósofo grego
“Quando já não somos capazes de mudar uma situação, encontramo-nos perante o desafio de nos mudarmos a nós próprios”
Victor Frankl (filósofo existencialista)
“A psicoterapia é demasiado benéfica para que a limitemos aos pacientes”
Fritz Perls (Modelo terapêutico gestáltico)
1. INTRODUÇÃO
Propõe-se uma reflexão em torno do que é ser psicoterapeuta na atualidade, interligando o que poderíamos designar por perfil de competências do psicoterapeuta com aquilo que vários investigadores e clínicos de grande reputação entendem por psicoterapia; são revistos os elementos essenciais desta disciplina científica e o que os grandes modelos de psicoterapia têm em comum. Discute-se, a propósito, qual é o lugar da Análise Bioenergética dentro do panorama dos vários modelos.
É, por outro lado, objetivo do trabalho dar um caráter mais universal aos conceitos de psicoterapia e psicoterapeuta. Sem querer descaracterizar determinados modelos, que representam muitas vezes linhas de investigação e de inovação de grande interesse, pretende-se integrar os resultados e o que de mais positivo, científica e clinicamente válido, possuem os diferentes modelos tendo em vista uma hipotética ciência da psicoterapia. Em torno do núcleo central do trabalho, ou seja, ser psicoterapeuta, opta-se por uma linha de referência, preferencialmente consistente com os princípios psicodinâmicos, mas vai-se mais além.
Assim, o psicoterapeuta seria um profissional dotado, por um lado, de determinadas competências relacionais e, por outro, conhecedor e experiente na utilização de um vasto conjunto de ferramentas técnicas. Como é sabido, a eficácia terapêutica depende, na prática, da justa combinação de ambas: competências técnicas e competências relacionais.
O suporte bibliográfico do trabalho vai de S. Freud a H. Strupp, de Erwin Singer a Irving Weiner, de Erich Fromm a H. S. Sullivan, de Reich a Lowen e muitos outros.
Gostaria de dizer que a escolha do tema se deve ao facto de se tratar de uma atividade que desempenho com paixão há mais de trinta anos. A opção por ser psicoterapeuta em vez de ser analista bioenergético, só porque estamos numas jornada de análise bioenergética, constitui um desafio para sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética, o qual, penso, pode estimular a inovação, a flexibilidade intelectual, o desenvolvimento profissional e pessoal.
Por outro lado, não podemos esquecer que temos muito em comum com os profissionais de outros modelos diferentes do nosso e que integram esta mesma disciplina científica aplicada, a psicoterapia.
Além disso, devemos ter presente que vivemos num mundo globalizado, também a nível científico, o que nos permite ter acesso a uma enorme quantidade de conhecimento que, devidamente filtrado, pode enriquecer o nosso trabalho psicoterapêutico. O filtro deve ser dado pela sabedoria a fim de se evitar cair na superficialidade; e recordo, a propósito, o grande poeta T. S. Eliot: Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
Vou seguidamente deter-me em torno do conceito de psicoterapia e respetivos modelos, para depois me centrar, então, no que considero ser psicoterapeuta.
2. O QUE É A PSICOTERAPIA?
Para compreender o que é a psicoterapia há que partir, necessariamente, dos modelos, abordagens ou escolas de psicoterapia. Parloff (1979) citado por Goldfried, M. R (1982) fala de mais de 130 modelos enquanto outro autor, o espanhol Ávila Espada, A. (1994) mais sintético, apresenta uma classificação, baseada em critérios teóricos, com 43 abordagens psicoterapêuticas diferentes. Ao que parece, com o passar dos anos, os modelos aumentam. Maclennan, em 1996, já registava 450 tipos de psicoterapia.
Esta diversidade de enfoques irá ajudar-nos a esclarecer o que é a psicoterapia ou, pelo contrário, irá semear mais confusão?
Antes de responder à pergunta, talvez seja útil tentar compreender os motivos de tanta variedade. Proponho-me sintetizá-los nos que me parecem ser os principais:
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A complexidade do ser humano e das diferenças individuais, resultante dos múltiplos processos psicológicos, deu origem a diferentes abordagens teóricas e, por conseguinte, à elaboração de variadas técnicas e estratégias psicoterapêuticas face à disfuncionalidade, à patologia mental e emocional.
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Por outro lado, é um facto histórico que, a exemplo de Freud, se criaram múltiplos institutos ou sociedades em torno de figuras carismáticas.
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Outro facto que contribuiu para a multiplicação de modelos é o conhecido divórcio entre investigadores e clínicos.
Perante tal dispersão ou diversidade, como queiramos chamar-lhe, no último quarto do século passado, sobretudo nos Estados Unidos da América, surgiram vários movimentos, encabeçados por personalidades das diversas correntes psicoterapêuticas e com atividade relevante nas áreas da investigação, da clínica ou do ensino, que propuseram a realização de fóruns e de conferências para debater os pontos comuns dos seus objetos de estudo e a diversidade dos seus enfoques e teorias. Assinalo aqui, de passagem, que Lowen participou, que eu tenha conhecimento, pelo menos numa destas famosas conferências em 1990, organizada na Califórnia pela Fundação Milton H. Erickson e em que participaram 6 800 profissionais e a crème de la crème dos chefes de fila de então, tais como Aaron Beck, Albert Ellis, James Bugental, James Masterson, Judd Marmor, Salvador Minuchin, Rollo May, Carl Whitaker, Miriam Polster, Thomas Szaz, Al Lowen e outros.
É verdade que estas iniciativas não deram lugar a fusões ou parcerias, para utilizar uma linguagem muito em voga hoje em dia. Contudo, algo ficou e permanece. E foi sobretudo a tentativa por parte de muitos autores, clínicos e investigadores de iniciar um movimento, um Zeitgeist, em direção a um objetivo, talvez ainda distante: constituir uma ciência da Psicoterapia, com o melhor que cada escola ou movimento tenha produzido.
Em vez desta autêntica exibição de modelos e marcas do passado (e que, todavia, se observa atualmente em certos meios), foi-se impondo uma realidade e hoje vários autores competentes, flexíveis e abertos à aproximação entre a investigação e a clínica, chegaram a um consenso em relação à existência de alguns poucos sistemas ou tipos de psicoterapia, claramente diferentes entre si, baseados em outros tantos modos de conceptualizar o comportamento normal e desajustado. Assim, teríamos: as terapias psicanalíticas e psicodinâmicas, onde em minha opinião se deve incluir a Análise Bioenergética; as terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais; e as terapias humanistas e existenciais.
A partir dos factos que acabo de descrever, creio que podemos sintetizar este fenómeno da diversidade de modelos na existência de duas linhas de pensamento: uma que tende para a criação de uma ciência da psicoterapia, construída a partir de múltiplas e qualificadas experiências terapêuticas, cujos resultados seriam organizados e analisados sob a perspetiva da investigação clínica e do rigor científico; outra, defendida por muitos psicoterapeutas, que afirmam não precisar de qualquer demonstração, científica ou outra, para provar os benefícios, para o paciente, do seu trabalho psicoterapêutico.
Todos nós, ou pelo menos uma grande maioria dos que praticamos a Análise Bioenergética integramos, de algum modo, esta segunda categoria. Mas deixemme que lhes dê a minha opinião: não perdemos nada, pelo contrário, só temos a ganhar se mudarmos de atitude e aderirmos pouco a pouco à primeira linha de pensamento. Os perigos associados à segunda linha de pensamento são, entre outros: a obediência a um espírito doutrinário, típico dos grupos fechados e das seitas; a autocomplacência e a estagnação por não querer ouvir as críticas ou por não estar aberto à polémica; a probabilidade de ser assimilado a muito charlatanismo ou exotismo que, infelizmente, entrou e continua a entrar por esta linha de pensamento.
Depois de ter enquadrado a psicoterapia em relação aos vários modelos e às tendências de aproximação ou de distanciamento e independência entre eles, vou deter-me um pouco em torno da definição de psicoterapia, excluindo de entrada o que não é psicoterapia para facilitar o caminho. Frank J. D. (1961) e Strupp, H. (1968) excluem do âmbito da psicoterapia o que chamam outras formas de “cura psicológica”, entendendo como tal as práticas baseadas na fé que cura, a conversão religiosa, a lavagem ao cérebro ou a própria medicina.
A psicoterapia pode definir-se em função de diversos critérios, tais como: os objetivos; os métodos utilizados para a modificação dos desajustamentos da personalidade; a relação interpessoal, etc. Pode definir-se em função de se colocar mais ênfase no insight ou na mudança comportamental. E, finalmente, pode definir-se em função do próprio processo e dos efeitos esperados. Por tudo isto, podem imaginar a quantidade de definições possíveis do que é a psicoterapia. O meu objetivo será, pois, com recurso à síntese, à abstração e à transversalidade, encontrar uma definição o mais abrangente possível dos diversos modelos. Na revisão da literatura sobre o tema, encontram-se as seguintes notas definidoras:
2.1. A relação interpessoal
2.1.1. Comunicação e compreensão
No centro da relação interpessoal na psicoterapia está a comunicação explícita por parte do terapeuta, na relação com o paciente, de que o compreende, o respeita e de que o quer ajudar. Esta relação traduz-se na criação de uma relação intensa de confiança entre o paciente e o terapeuta, um profissional conhecedor e com experiência.
2.1.2. Uma relação profissional, não uma relação de amizade
Os interesses, as necessidades e o bem-estar do paciente constituem o objeto central da compreensão e da ajuda prestada pelo psicoterapeuta. O que significa, por outro lado, que as necessidades do terapeuta, sejam elas de que tipo for, não devem interferir em nada na relação psicoterapêutica.
2.1.3. Obrigações e restrições
Na relação terapêutica há que deixar claras certas obrigações e restrições, bem como tudo o que integra o contrato terapêutico.
2.2. Os métodos e as técnicas utilizados
Já Freud (1904) dizia que “a psicoterapia oferece-nos procedimentos e caminhos muito diferentes. Qualquer um será bom, desde que nos conduza ao fim proposto, à cura do enfermo.”
Estudos empíricos recentes (Lambert e Bergin, 1992; Smith, Glass e Miller, 1980; Luborsky, Singer e Luborsky, 1975; Norcross, 1988; Lipsey e Wilson,1993), baseados em amostras de pacientes e de problemas de pacientes, confirmam que os modelos psicoterapêuticos mais comummente usados são praticamente equivalentes quanto aos resultados obtidos. Os dados, por outro lado, revelam que a pessoa comum tratada através da psicoterapia alcança um melhor nível de saúde mental em 80% dos casos, em comparação com os grupos de controlo dos estudos de investigação. O que sucede, porém, e é digno de registo, é que um indivíduo concreto pode responder mais facilmente a um determinado tipo de método ou modalidade psicoterapêutica, em função do seu tipo de personalidade ou das suas preferências. Por outro lado, para determinada sintomatologia, um paciente poderá retirar melhores resultados de determinados procedimentos técnicos que sejam utilizados. Cabe aqui citar também a química que se pode estabelecer entre terapeuta e paciente. Um terapeuta poderá trabalhar melhor ou pior com determinados grupos etários (crianças, adolescentes, adultos, terceira idade) ou com determinadas patologias, ou carateres, ou histórias de vida, etc.
Com esta informação sobre a eficácia dos principais modelos terapêuticos e a equivalência entre eles, é chegada a hora de os psicoterapeutas deixarem de proclamar que determinado modelo é intrinsecamente superior a outro ou, pior ainda, que têm o monopólio da verdade (Weiner, I., 1998).
2.3. As metas ou objetivos da psicoterapia
Finalmente, a outra característica comum aos principais modelos psicoterapêuticos é a referência explícita aos objetivos da terapia, que Strupp (1996) sintetiza “na libertação do sofrimento e no crescimento pessoal mediante uma relação profissional”.
Por seu lado, Weiner (1998) de uma forma mais pormenorizada refere-se assim às metas ou objectivos da psicoterapia que consistem em “libertar o paciente do sofrimento emocional, acompanhá-lo na procura de soluções para os problemas que tem na sua vida e ajudá-lo a modificar as características de personalidade e os padrões de comportamento que estão a impedi-lo de se auto-realizar e de obter gratificação, tanto no seu trabalho como nas suas relações interpessoais.”
Para Lowen (1985), a psicoterapia “visa ajudar o paciente a entrar em contacto com o seu self, que não é uma pura construção mental, mas sim um fenómeno corporal e para isso é necessário, mais do que a análise, conseguir o contacto com os próprios sentimentos, não lhe bastando falar dos sentimentos; há que senti-los e expressá-los”.
2.4. E finalmente a definição de psicoterapia
Refletindo o estado da arte, vou apresentar-lhes, por um lado, os critérios que devem entrar na compreensão da essência e natureza da psicoterapia, segundo John M. Reisman (1971), autor de Toward the Integration of Psychotherapy; e, por outro, uma definição que pretende ser universal, ou seja, que integra, de algum modo, todos os elementos implícitos ou explícitos que constam de uma ampla lista de definições de autores muito diversos, pertencentes às principais correntes psicoterapêuticas.
Para Reisman, qualquer definição de psicoterapia, sob pena de ser considerada parcial, deverá ter em consideração: os objetivos, os procedimentos, os profissionais e o tipo de relação.
Uma definição pormenorizada, que tem em conta os critérios referidos por Reisman, é a que propõe Alejandro Ávila Espada, que entende que a psicoterapia é um conjunto de sistemas teórico-técnicos aplicados (de caráter interdisciplinar quanto aos seus objetivos e multiprofissional na sua prática) derivados de modelos teóricos e de investigação de diferentes ciências e que tem como finalidade principal a resolução, por meios psicológicos, das perturbações do comportamento e/ou a indução de mudanças estáveis nos diferentes níveis de expressão do comportamento, a fim de se alcançar o bem-estar biopsicossocial dos indivíduos em sociedade.
Em contraste com a definição ampla de Ávila, vejamos para concluir este capítulo a definição de Hans Strupp, um psicanalista, que coloca o acento sobretudo na qualidade da interação: a psicoterapia compreende uma pessoa que reconheceu que necessita de ajuda, um perito que consentiu em proporcionar essa ajuda e uma série de interações humanas, cujo caráter costuma ser extremamente intrincado, subtil e prolongado, e tem por objetivo produzir mudanças benéficas nos sentimentos e comportamento do paciente, mudanças que a sociedade, genericamente, considerará como sendo terapêuticas.
3. SER PSICOTERAPEUTA
Genericamente, para ser um bom psicoterapeuta são necessárias determinadas competências de relação interpessoal, assim como um conjunto de fatores indispensáveis que valorizam a expressão dessas mesmas competências.
3.1. Competências na relação interpessoal
Irving Weiner sintetiza a posição de diversos autores, predominantemente da área dinâmica, no que diz respeito às competências na relação interpessoal que um psicoterapeuta deve possuir e que, segundo ele, seriam: calor humano, autenticidade e empatia. Vale a pena determo-nos um pouco no que significa cada uma destas competências.
3.1.1. Calor humano
Por calor humano entende-se a aceitação incondicional do paciente, das suas características pessoais, estilo de vida e história pessoal. Ao aceitar e respeitar o paciente tal como ele é, sem o julgar nem o dominar ou submeter, o terapeuta está a mostrar o calor humano de que o paciente necessita para se sentir seguro e confiante na situação de psicoterapia, assim como para deixar cair as reservas (defesas e resistências) e aumentar a sua disponibilidade para se envolver no processo.
A aceitação incondicional significa que o terapeuta respeita o direito do paciente a ser a pessoa que é; mas não, necessariamente, que respeita tudo o que o paciente pensa, diz ou faz.
Por fim, ainda que o calor humano não deva ser possessivo, como quando o terapeuta assume a responsabilidade do que o paciente deve sentir ou do que é melhor para ele, também não deve ser impessoal. Vejamos o exemplo de um terapeuta cuidadoso, mas possessivo ao dizer a um paciente “isto é o que eu gostaria que fizesses”. Ao atuar assim, o terapeuta está a privar o paciente da responsabilidade em relação às suas ações. Sem deixar de estar implicado, de forma calorosa, o terapeuta deveria antes dizer algo como “parece-me que não te saíste tão bem dessa situação como gostarias”.
3.1.2. Autenticidade
Todos sabemos que o paciente deve ser capaz de expressar pensamentos e sentimentos de forma aberta, confiante e não defensiva para que, desse modo, possa retirar o máximo partido da psicoterapia. Ao proporcionar-lhe segurança com o seu calor humano, o terapeuta já está a facilitar, em certa medida, a entrega do paciente, mas também é verdade que os pacientes têm dificuldade em confiar e em mostrar-se abertos, a menos que sintam que há da parte do terapeuta uma relação de abertura e confiança. Nisso reside a autenticidade do terapeuta, que consiste em manter uma relação de compromisso com os pacientes, baseada na honestidade e na verdade. Ser autêntico significa para o terapeuta ser uma pessoa genuína, que diz o que sente e apenas faz o que para ele é verdadeiro e natural.
Já Freud (1915) dizia que “o tratamento psicanalítico baseia-se na confiança”. E avisava que, quando um paciente apanha o terapeuta numa mentira, dificilmente volta a confiar plenamente nele.
Há que esclarecer que ser autêntico não significa que o terapeuta tenha de expressar todos os seus sentimentos ou que tenha de falar dos seus assuntos pessoais. Significa, sim, que é sincero quando expressa os seus sentimentos e que estes são coerentes com as suas vivências internas; do mesmo modo, qualquer assunto particular que opte por revelar representará sempre um aspeto real de si próprio. Convém mencionar que os pacientes têm dificuldade em reconhecer a pessoa real do terapeuta, se este se esconde por detrás de uma fachada profissional e mantém sistematicamente uma pose impessoal; do mesmo modo, sentirão que têm à sua frente um terapeuta irreal, se este começar, por exemplo, numa primeira sessão, a falar da sua vida pessoal ou a comentar assuntos pessoais ou conflitos não resolvidos.
3.1.3. Empatia
A empatia é a capacidade que uma pessoa tem de se colocar na pele de outra e de compreender as suas necessidades e os seus sentimentos. Em psicoterapia, a compreensão empática define a sensibilidade especial do terapeuta para captar o significado do que o paciente diz ou faz. Os terapeutas empáticos são capazes de perceber com exatidão os sentimentos e os pensamentos do paciente e de entender o que para ele significam, tanto em relação com o que está a vivenciar num determinado momento, como em relação com o que está fora do seu conhecimento consciente.
A empatia do terapeuta transmite ao paciente uma compreensão profunda que o vai ajudar a alargar o seu campo de consciência e a conhecer-se melhor.
Para ser verdadeiramente eficaz, o terapeuta empático tem de ser capaz não só de compreender os seus pacientes, mas também de comunicar essa compreensão de tal maneira que os pacientes possam, eles próprios, compreendê-la e aceitá-la.
A investigação tem demonstrado que a pessoa que se sente aceite, merecedora de respeito e objeto de uma atenção incondicional por parte de um profissional com experiência e empático, que põe as suas competências ao serviço do seu desenvolvimento pessoal, leva quase sempre os pacientes a sentir-se melhor em relação a si mesmos, a experimentar otimismo quanto aos benefícios esperados do tratamento e a participar com entusiasmo no trabalho da terapia.
3.2.Fatores que valorizam as competências relacionais
3.2.1. Formação e experiência
Quando falamos de formação do psicoterapeuta estamos, segundo Alejandro Ávila e sobretudo Irving Weiner, a referir-nos a:
- Uma formação especializada, assente na aquisição de conhecimentos teóricos e de técnicas psicoterapêuticas de um determinado modelo, no nosso caso, o modelo dinâmico e corporal;
- A realização de uma psicoterapia pessoal para ampliar o autoconhecimento e libertar o terapeuta de interferências neuróticas no seu trabalho;
- A supervisão realizada por um terapeuta com um nível de experiência muito superior ao do terapeuta principiante;
- A formação contínua teórico-clínica mediante os mais diversos tipos de atividades de reciclagem; trata-se de manter-se atualizado em relação aos novos conhecimentos adquiridos na nossa área e em áreas conexas. Dou como exemplo os inúmeros avanços na área da neuropsicologia, a investigação e as aplicações clínicas relacionadas com a teoria da vinculação, o DSM V- Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), um manual para profissionais de saúde mental que lista diferentes categorias de perturbações mentais e critérios de diagnóstico, de acordo com a la American Psychiatric Association – APA, cuja 5ª edição apareceu em Maio de 2013. É usado em grande parte do mundo por clínicos e investigadores, assim como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e parlamentos políticos.
- Um compromisso com a investigação clínica, traduzida na recolha sistemática de dados dos pacientes atendidos, no sentido de formular hipóteses e de apresentar evidências empíricas à comunidade científica.
No que se refere à experiência, estou de acordo com Weiner, que não concorda com os que dizem que os terapeutas com pouca experiência, desde que sigam as regras de tratamento dos cursos ou manuais de formação, obtêm resultados equivalentes aos terapeutas mais qualificados e com maior experiência. E cita os trabalhos de vários autores (Tracey, Hays, Malone e Herman, 1995; Holloway e Neufeld, 1995; Brody e Farber, 1996), que fundamentam empiricamente como uma boa formação associada a uma experiência relevante contribuem para a obtenção dos melhores resultados.
3.2.2. A psicoterapia pessoal como meio de alargar o auto-conhecimento e/ou libertar o terapeuta de interferências neuróticas no seu trabalho
Apesar de fazer parte da lista de itens da formação do psicoterapeuta, convém aprofundar um pouco mais este fator crucial para o desenvolvimento do bom trabalho do psicoterapeuta.
Freud foi o primeiro a chamar a atenção para os perigos da contra-transferência, ou seja, a possibilidade do analista transferir elementos dos seus problemas passados ou presentes para a situação analítica, podendo prejudicar o curso neutral e objetivo do processo terapêutico.
Voltando a Weiner, para se libertar das interferências neuróticas no seu trabalho, o terapeuta tem de ter muito clara a dinâmica da sua própria personalidade, em particular no que diz respeito a tudo o que o faz sentir ansioso ou irritado, como se sente em relação às figuras importantes da sua vida ou porque se comporta desta ou daquela maneira nas mais diversas situações. Só com um elevado grau de autoconhecimento é que os terapeutas podem distinguir de modo adequado o comportamento do paciente das suas próprias reações face a um determinado comportamento.
As atitudes ou conflitos não resolvidos do terapeuta podem interferir de maneiras muito diversas na objetividade do processo. Para não me alongar demasiado, vou apenas referir, genericamente, algumas situações em que o terapeuta deve estar de sobreaviso. O princípio consiste em que o terapeuta deverá evitar retirar da relação terapêutica qualquer tipo de satisfação das suas necessidades pessoais, tais como estimular a sua auto-estima mediante comportamentos que possam ser entendidos como domínio ou desvalorização do paciente; ou satisfazer necessidades sádicas, sendo cruel com o paciente; ou satisfazer necessidades de dependência procurando favores do paciente. Enfim, o terapeuta deverá ter consciência clara de que está ali para colmatar as necessidades do paciente e não as suas próprias necessidades.
Tudo isto, porém, não é nada fácil. Daí a importância da terapia pessoal que, segundo alguns investigadores (Holzman, Searight e Hughes, 1996), é um requisito generalizado em grande parte dos programas de formação de terapeutas.
Convém também referir que o terapeuta não é, à partida, um indivíduo perfeito, livre de problemas pessoais. Não tem de ser um modelo de equilíbrio psicológico, isento de sintomas neuróticos, de preferências exóticas ou, em geral, de problemas, para ser um bom terapeuta. O que se tem de saber é que os elementos neuróticos da sua personalidade não devem interferir em nada na objetividade e no empenho com que deve tratar as necessidades do paciente na situação terapêutica. Daí a importância crucial da terapia pessoal do futuro psicoterapeuta.
Quando a falta de competência do terapeuta, seja de caráter técnico, seja de caráter relacional, ultrapassa determinados limites, podemos estar já a falar de violações do código de conduta e de princípios éticos.
3.2.3. A combinação de competências técnicas e relacionais
A generalidade dos psicoterapeutas e dos investigadores está de acordo em fazer depender a eficácia da psicoterapia de uma combinação equilibrada de competências técnicas e de relação interpessoal.
Embora seja difícil falar separadamente de umas e outra em termos de eficácia, vou ilustrar com algumas situações aspetos que estariam mais do lado das competências técnicas ou mais do lado das competências relacionais.
3.2.3.1. Do lado das competências técnicas estariam situações, tais como:
- Saber se, em determinada situação, as necessidades do paciente seriam melhor satisfeitas com psicoterapia ou com outra forma de tratamento;
- Decidir sobre o que se vai comunicar a um determinado paciente, quando dizê-lo e que palavras utilizar;
- Identificar os sinais que configuram resistências e saber interpretar e confrontar o paciente com as suas tentativas falhadas de evitar tomar consciência e esconder-se dos outros;
- Possuir suficiente clarividência na utilização do contacto em psicoterapia corporal; quando utilizá-lo, como, com que pacientes e em que circunstâncias, com plena certeza de que está a servir as necessidades do paciente e não as do terapeuta;
- Ter bem presente que, ao fazer interpretações antes do tempo certo, correm-se riscos tais como poder estar a fazer uma interpretação errada, contribuir desse modo para reforçar as defesas do paciente, etc.
- Fazer com que o paciente alcance um estado em que as recordações dolorosas do passado possam ser gradualmente toleradas;
- Compreender a tendência de qualquer ser humano para transferir padrões de relação interpessoal do passado para o presente e saber utilizar esta tendência transferencial para promover experiências corretivas.
3.2.3.2. Do lado das competências relacionais estariam situações, tais como:
- A criação de um clima adequado de trabalho, que Strupp define como de empatia e de aceitação, e que deve constituir a tarefa primordial do terapeuta;
- O desenvolvimento da aliança de trabalho, fator largamente mencionado como fundamental em diversos tipos de psicoterapia; criado por Greenson (1965) e mais tarde desenvolvido por Bordin (1994), o conceito de aliança de trabalho ou aliança terapêutica implica:
- O entendimento mútuo e o acordo entre paciente e terapeuta sobre quais são os objetivos da terapia;
- O compromisso dividido entre terapeuta e paciente no que diz respeito às tarefas necessárias para a obtenção dos objetivos;
- Uma ligação afetuosa entre eles, capaz de sustentar a respetiva cooperação na resolução de choques ou tensões, que surgirão inevitavelmente ao longo do percurso da psicoterapia.
Separar as competências técnicas das competências relacionais apenas tem sentido em termos didáticos. Em termos terapêuticos valorizar umas em detrimento das outras é um erro. Termino com uma frase de Weiner, que sintetiza assim a importância de harmonizar ambos os tipos de competências: a maestria técnica só é útil nas mãos de terapeutas que conseguem alimentar uma relação com os seus pacientes de tal modo que estes escutam, compreendem e confiam no que eles lhes comunicam apesar da dureza que a mensagem possa ser e é, muitas vezes.
4. E FINALMENTE UMA PALAVRA SOBRE A ANÁLISE BIOENERGÉTICA
Existem duas ideias fulcrais ou dois pressupostos que estiveram na génese da minha apresentação:
1- A universalidade da psicoterapia como disciplina científica aplicada;
2- A possibilidade de construir essa mesma disciplina com o melhor de cada modelo psicoterapêutico ou linha de inovação clínica.
E é precisamente aqui que cabe dizer uma palavra sobre a Análise Bioenergética. Não me vou estender ou não estivesse perante uma plateia de peritos em Análise Bioenergética. Quero simplesmente, na sequência do exposto na minha apresentação, dizer duas coisas:
1- Que a abordagem psicocorporal em psicoterapia, proposta por Reich, Lowen e outros, significa uma contribuição enorme, diria mesmo revolucionária, para o desenvolvimento da psicoterapia como ciência clínica aplicada;
2- Que a Análise Bioenergética, como associação e modelo científicos, deve primar por uma estratégia de promoção concertada, com base na sua clara inserção no modelo dinâmico da psicoterapia e na fundamentação empírica do trabalho clínico, dotando-o do maior rigor científico.
5. CONCLUSÃO
O meu propósito com esta apresentação foi sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética e proporcionar-vos desse modo uma experiência que resultasse simultaneamente refrescante e formativa.
Uma coisa posso dizer-vos e é que, em nenhum momento, durante o tempo de elaboração deste trabalho, senti que os conceitos, as estratégias de trabalho terapêutico, enfim, toda a bagagem clínica, científica, formativa, ética, etc., referenciada, entrassem em conflito com o nosso modelo da Análise Bioenergética. Tudo o que ia recolhendo, articulando, ponderando sempre tinha sentido para mim como Psicoterapeuta Bioenergético. O pensamento que uma ou outra vez me assaltava tinha mais a ver com a vantagem, para a suposta Psicoterapia universal, do contributo das ferramentas da Bioenergética para complementar e enriquecer o trabalho de qualquer psicoterapeuta.
Espero que todos e todas vós tenhais sentido do mesmo modo, o que comprovaria a minha tese inicial de que fazer a experiência de, por um momento, sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética, pode resultar extremamente interessante e enriquecedor.
Se a minha tese, porém, não se comprovasse, o que nem deixaria de ser salutar, isso daria lugar a uma interessante e enriquecedora polémica que, estou certo, nos permitiria dar mais um passo na direção da abertura de novos caminhos, novas ideias, que contribuiriam para o desenvolvimento da Psicoterapia como uma disciplina aplicada e universal.
Sintra, 11 de Outubro de 2012
António Menezes Rocha
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A Dinâmica Genital e Edípica no Desenvolvimento Psicosexual – Dr António Menezes Rocha
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1. SITUAR A FASE GENITAL E EDÍPICA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO LIBIDINAL
Antes de abordar a dinâmica da fase edípica convém situá-la dentro do longo processo do desenvolvimento libidinal. De acordo com a teoria clássica, a fase a que corresponde o aparecimento do fenómeno edípico situa-se entre os três e os cinco anos de idade e foi denominada por Freud como fase fálica.
Seria a última das três fases que constituiriam o período pré genital. Depois das fases pré genitais viria a fase genital que decorreria ao longo do período de latência, e terminaria no fim da adolescência. Nesta altura, todas as fases anteriores do desenvolvimento psicosexual, sempre de acordo com a teoria clássica, são organizadas de maneira a ficarem subordinadas ao objectivo sexual adulto de obtenção de prazer na função reprodutora (Freud, 1933 e 1940). Por outras palavras, “as pulsões libidinais parciais ficariam integradas sob a primazia genital específica de cada sexo.” Consequentemente, o objecto de erotização ou de desejo já não estaria no próprio corpo, como nas fases pré genitais, mas sim num objecto externo, no outro. Neste momento, rapazes e raparigas estão conscientes das suas identidades sexuais e das diferenças entre elas, e procuram formas de satisfazer as suas necessidades eróticas e interpessoais.
“Idealmente um indivíduo adulto de carácter genital teria resolvido plenamente o seu complexo de Édipo, estaria totalmente liberto de dependência infantil e atribuiria tanta importância à sua satisfação pessoal como à satisfação do objecto” (Rycroft, Ch. 1995).
Segundo Erickson (1963), citado por Rycroft, a psicanálise foi demasiado longe nesta concepção algo mítica e vaga da genitalidade, como a cura universal para todos os males, esquecendo-se de explicar quais deveriam ser realmente os verdadeiros objectivos da genitalidade. E no sentido de dar significado social à utopia da genitalidade, Erickson atribui-lhe as seguintes características:
- Mutualidade de orgasmo
- Com um parceiro/a amado/a
- Do sexo contrário
- Com o/a qual a pessoa deseja e é capaz de partilhar confiança recíproca
- E com o/a qual a pessoa quer e é capaz de regular os ciclos de:
- Trabalho
- Procriação
- Divertimento
- Assim como de garantir aos descendentes um satisfatório desenvolvimento, ao longo das respectivas etapas.
Centremo-nos então agora na fase fálica que autores contemporâneos denominam também por etapa genital infantil e que dividem em: fase pré edípica e fase edípica.
Muitos autores criticam a proposta de Freud por abordar o desenvolvimento sexual infantil sob o prisma do macho, não diferenciando em profundidade os aspectos específicos do desenvolvimento do rapaz e da rapariga. Autores contemporâneos desenvolveram novos conceitos e reinterpretaram certas ideias de Freud, contribuindo assim para um conhecimento mais rigoroso da evolução sexual de rapazes e raparigas.
Nesta fase, a criança manifesta interesse e curiosidade pelos genitais e obtém prazer no toque e na manipulação dos mesmos. Descobre as diferenças sexuais entre rapazes e raparigas entre o pai e a mãe, enfim toma consciência das diferenças físicas e das diferenças de género, do masculino e do feminino.
Sempre de acordo com a teoria clássica, é nesta fase do desenvolvimento libidinal infantil que tem lugar o complexo de Édipo.
Refere-se o complexo de Édipo a um conjunto de ideias, fantasias e sentimentos, em grande parte inconscientes, e que giram, todos eles, à volta do desejo de seduzir a mãe e eliminar o pai, por parte do rapaz, e de seduzir o pai e eliminar a mãe, por parte da rapariga. Este complexo foi assim denominado por Freud por relembrar a antiga lenda grega em que Édipo, seguindo o seu destino, mata o pai, Laios, e casa com a mãe Jocasta, sem saber que eram seus pais. Édipo e Jocasta, ao saberem a verdade, por intermédio do Oráculo de Delfos, acabam de forma trágica: ela suicidando-se e ele furando os próprios olhos por ter estado cego e não ter reconhecido a própria mãe. Esta lenda foi imortalizada por Sófocles na tragédia intitulada Édipo Rei, no século IV A.C. Freud utilizou o símile da lenda grega para descrever o que ele entende ser um fenómeno universal, e que, portanto, abrangeria todos os seres humanos.
Convém sublinhar, de passagem, que o complexo de Édipo é uma daquelas teorias de Freud que resistiram à prova da refutabilidade e cuja veracidade científica foi confirmada por autores como Friedman, S.M. (1952), Roheim, G.(1952) ou Schwarz, B. J. (1955). É portanto um fenómeno universal, cientificamente comprovado, que ocorre entre os três e os cinco anos de idade.
2. ASPECTOS RELEVANTES DO COMPLEXO DE EDIPO
Podemos destacar os seguintes aspectos relevantes, estreitamente relacionados com o complexo de Édipo:
- Manifestação clara de amor pelo progenitor do sexo contrário e ao mesmo tempo sentimentos de rivalidade em relação ao progenitor do mesmo sexo.
- Ansiedade de castração, provocada por ameaças reais ou imaginadas à função sexual. Mais acentuada nos rapazes, até porque os genitais masculinos estão menos protegidos que os femininos e por outro lado, porque são extremamente sensíveis. A versão feminina desta ansiedade está mais relacionada com o medo de perda do amor e, de forma menos acentuada, (até porque os órgãos genitais femininos estão menos expostos), com o medo à penetração.
- Identidade de género. Desde cedo, a criança começa a descobrir que é diferente da mãe; sucessivamente, vai descobrir o próprio corpo e as diferenças de sexo entre pai e mãe, rapaz e rapariga. Por volta dos três anos, começa a desenvolver a ideia de masculinidade/feminilidade e a querer ser como papá no caso dos rapazes, ou como mamã no caso das raparigas. Estamos em pleno processo de identidade de género.
- Inveja do pénis que tanto pode ocorrer nas mulheres em relação aos homens, como nos rapazes em relação aos homens adultos. Mas é sobretudo um fenómeno típico da rapariga, que, segundo Freud, se sentiria inferior, ao descobrir que não tem pénis como os rapazes. Culpa por esse facto a mãe, com quem fica desiludida e volta-se para o pai, como objecto de amor, de quem fantasia poder ter um bebé, que seria uma espécie de compensação pela falta de pénis e funcionaria como o substituto do órgão em falta. Outro aspecto diz respeito ao fascínio pelos seios da mãe e à inveja dos seios que pode ser tão ou mais forte que a inveja do pénis.
A posição falocêntrica de Freud em relação às mulheres foi criticada por Jones (1948) e outros autores pela tendência a interpretar a psicologia feminina, negativamente, como uma resposta à descoberta de não ter um pénis. A interpretação do próprio Jones do desejo da rapariga de ter um pénis iria no sentido de tal constituir uma defesa contra a ansiedade, relacionada, genericamente, com os desejos femininos em relação ao pai. - Resolução do complexo de Édipo. A resolução tem como consequência a aquisição de um maior nível de maturidade no processo de desenvolvimento psicosexual e na evolução para a fase genital deste mesmo processo. A resolução do complexo de Édipo implica especificamente:
- Identificação com o pai do mesmo sexo
- Desidentificação em relação ao pai do mesmo sexo
- Repressão ou sublimação dos desejos edípicos
- Consolidação objectal emocional
- Desenvolvimento do superego mediante a introjecção das figuras e das regras parentais.
- Preparação para a entrada num mundo social mais amplo em que se sente dono de si próprio, afirma a sua sexualidade e elege um/a parceiro/a com quem partilha a satisfação de desejos.
3. A PERSPECTIVA BIOENERGÉTICA DO DESENVOLVIMENTO GENITAL E EDÍPICO
A independência da criança está, biológica e psicologicamente, ligada ao desenvolvimento da genitalidade. Por isso, qualquer perturbação, ocorrida ao longo do processo de desenvolvimento psicosexual e em função da sua intensidade e significado, vai repercutir, de algum modo, na limitação da independência, da liberdade, da espontaneidade e da autonomia da criança e, mais tarde, do adulto.
Na perspectiva da Análise Bioenergética, a criança entra na fase genital por volta dos dois /três anos de idade, quando começa a mostrar grande interesse e curiosidade pela actividade dos seus genitais. Lowen considera a genitalidade já constituída por volta desta idade, apesar de, funcionalmente, a sua maturação prosseguir até bastante mais tarde.
Lowen contrapõe genitalidade a oralidade. À medida que a oralidade diminui, a genitalidade aumenta. A oralidade estaria associada à dependência, tal como a genitalidade à independência.
A Bioenergética parte da constatação biológica de que o recém-nascido está completamente desamparado e que necessita da mãe para se alimentar e para se manter vivo. Durante um longo período de tempo a criança é biologicamente dependente. Só por volta do fim da puberdade é que atinge a maturidade biológica; nesta altura, o crescimento físico está praticamente concluído e a função sexual está estabelecida a nível genital.
Durante a fase oral, a criança é dependente não só para obter alimentação, mas também amor, segurança e abastecimento narcísico. Nesta relação, de carácter libidinal, com a mãe, está subjacente um processo energético. “O contacto da criança com o sistema energético da mãe estimula a energia do seu próprio sistema e desencadeia a sua expressão através do ponto de contacto, neste caso a boca da criança em contacto com o peito da mãe” (Lowen, 1958).
A criança recebe da mãe tudo aquilo que a vai fazer crescer e amadurecer. Durante a fase oral do crescimento, está a ser abastecida narcisicamente. Como o desenvolvimento começa na cabeça e termina na parte inferior do corpo, nos pés, qualquer falha ou privação dos chamados recursos narcísicos, afectará o funcionamento da parte inferior do corpo, ou seja todas aquelas funções relacionadas com as pernas e com o aparelho genital. Nas palavras de Lowen, estas funções vão determinar a independência e a maturidade do organismo. Tais funções implicam a capacidade de se manter de pé, de circular livremente e de realizar, na idade adulta, de maneira completa e satisfatória, a actividade sexual. É interessante constatar, como faz a Bioenergética, que são precisamente estas funções que aparecem mais debilitadas nos pacientes adultos que sofreram graves privações nas suas necessidades orais.
Como dizíamos mais acima a criança evolui, em condições ideais, da oralidade/dependência para a genitalidade/independência.
Entre os dois e os seis anos de idade, surgem manifestações claras da sexualidade infantil, como as brincadeiras auto eróticas e os contactos físicos de natureza erótica com o progenitor do sexo contrário. Trata-se de uma fase de amadurecimento fundamental. As sensações sexuais da criança tendem a difundir-se por todo o corpo, sendo que só uma pequena parte se concentra nos órgãos genitais. A criança está cheia de curiosidade nesta fase, e quer descobrir e experimentar novas coisas, novas sensações. E é nesta altura do seu desenvolvimento que descobre, com excitação, o prazer que lhe proporciona o seu próprio corpo. E é, pelas mesmas razões, que o contacto físico com o progenitor do sexo contrário aumenta o prazer corporal da criança e a identificação com o seu próprio corpo.
As sensações sexuais da criança não têm nada a ver com a actividade sexual do adulto, mas o facto da maioria dos pais confundir a natureza da sexualidade infantil com a sexualidade adulta dá lugar a comportamentos errados por parte dos adultos com consequências graves para o desenvolvimento normal da criança. Vamos abordar dois destes tipos de comportamentos, tão frequentes como altamente danosos para o desenvolvimento sadio da sexualidade. O mais frequente, a negação ou punição das manifestações sexuais/edípicas da criança, e o mais traumático, e não tão infrequente, o abuso sexual.
A Negação Ou Punição Das Manifestações Sexuais/Edípicas
É frequente, nesta fase do desenvolvimento psicosexual da criança, ver os pais reagirem negativamente à sua curiosidade sexual, à exploração das sensações sexuais, ou à procura do contacto físico com o progenitor do sexo contrário. Proibir os jogos eróticos, castigar, rejeitar, negar o amor, são outras tantas formas aberrantes de reagir às necessidades da criança.
Face a este tipo de conduta por parte dos pais, a criança reage com intensos sentimentos de frustração e de zanga, que, por sua vez, vão aumentar ainda mais a cólera dos adultos e as ameaças de castigo.
Em plena situação edípica, a criança vê-se confrontada com um dilema, tendo que optar entre o amor dos pais ou sua própria sexualidade. Naturalmente, a maioria das crianças reprime os seus impulsos sexuais e opta por submeter-se, incondicionalmente, às exigências da autoridade parental. Como prefere o amor dos pais, procura ser bonzinho. Mas não consegue evitar a zanga e a frustração perante a incompreensão, por parte dos pais, das suas necessidades. Só lhe resta conter-se e reprimir-se. E vai consegui-lo, adoptando uma atitude de rigidez, tanto física, como psicológica. O tipo de personalidade que vai resultar deste quadro foi denominado, por Lowen, estrutura rígida de carácter, com as seguintes manifestações:
No plano psicológico
- Bloqueio emocional, com expressão, bastante limitada, das emoções.
- Reduzida capacidade de entrega no acto sexual que se limita à descarga genital.
- Tal reduzida capacidade de entrega funciona como manifestação defensiva face ao medo de se entregar e de se fundir na relação amorosa.
- Bom contacto com a realidade. Boa capacidade de grounding e de controlo.
No plano corporal
- Acentuada rigidez da coluna vertebral, que é relativamente inflexível.
- A caixa torácica é dura e não cede à pressão. Dificuldade em respirar profundamente. O coração e os genitais estão desligados
- O maxilar apresenta uma expressão determinada.
- Carga energética forte num corpo proporcionado, harmonioso e contido.
- A rigidez tanto física como moral funciona como uma defesa contra os choques emocionais.
O Abuso Sexual
Diferente do comportamento de incompreensão e de rejeição das manifestações da sexualidade infantil, apresenta-se o abuso sexual, outro fenómeno que ocorre, também, com frequência nesta fase.
Só para se ter uma ideia da extensão do fenómeno do abuso desde o nascimento até à fase edípica, cito dados de Derek Jehud (1991) recolhidos na Clínica de Disfunções Sexuais da Universidde de Manitoba nos EUA. Refere a autora que 45% dos casos de abuso, tratados naquela clínica, acontecem antes dos seis anos de idade.
O que é exactamente o abuso sexual de crianças? Nas palavras de Charles Rycroft (1995) “o abuso sexual de crianças ocorre sempre que um adulto envolve uma criança em actividades sexuais que a criança, devido à sua imaturidade, não pode compreender plenamente nem, para tal dar um consentimento informado. O abuso tem consequências tanto físicas como psicológicas; a intimidade corporal da criança é invadida, e devido ao maior poder físico e social do adulto, a criança está impossibilitada de participar livremente na relação”.
As reacções de mulheres adultas que foram vítimas de abuso sexual na família, em crianças, foram analisadas por vários investigadores. Na generalidade dos casos, as reacções havidas dividem-se em muito negativas ou, pelo menos aparentemente, não tão negativas.
As pessoas visadas, no caso das reacções muito negativas, referem que foram negativas não só durante o período de abuso, mas também durante os longos períodos de recuperação. As consequências mais referidas neste grupo de mulheres são:
- Culpabilidade que continua a sentir na vida adulta
- Medo que se transforma por vezes em fobias
- Sentimentos de abandono
- Condescendência, passividade
- Zanga
- Evitamento do abusador
- Negação e/ou dissociação
No grupo das vítimas que referem reacções aparentemente não tão negativas, aquando da ocorrência do abuso, o que sucede é que tais reacções vão constituir fontes de inadaptação psicossocial na vida adulta. Vejamos as reacções referidas e as eventuais consequências:
- Instrumentalização do abuso para chamar a atenção,para obter afecto, recompensas ou favores.
- Instrumentalização do abuso como experiência física, emocionalmente prazeirosa que, normalmente, vai despertar, mais tarde, profundos sentimentos de culpa ou de auto punição, ou inclusive estimular a tendência para a promiscuidade onde se confundem sexualidade e procura de contacto afectivo.
- Outras reacções referidas, tais como sentimentos de compaixão, de protecção, etc. em relação ao abusador que acabam por ter consequências adversas nas relações futuras da vítima, tais como utilizar as relações sexuais para dominar ou manipular o parceiro
- A fuga de casa, também referida como reacção não tão negativa, conduz muitas vezes a uma forma de vida auto destrutiva, envolvendo por vezes, prostituição e/ou toxicodependência.
Na perspectiva da Análise Bioenergética, vamos referir simplesmente as consequências do abuso, a nível corporal, porque no plano psicológico coincidem com as consequências referidas pela maioria das investigações efectuadas e resumidas acima. Assim sintetizamos as consequências do abuso sexual, a nível corporal:
- Bloqueio pronunciado na zona pélvica.
- Tensões profundas ao nível do diafragma que impedem o contacto com o choro, e a expressão da dor e da pena causadas por feridas profundas.
- Tensões muito pronunciadas ao nível do pescoço e dos ombros que bloqueiam a expressão da zanga e da auto afirmação.
- Desconexão/dissociação entre a mente e o corpo. O dano moral e psíquico produzido no corpo pelo abuso poderá ser de tal maneira intolerável que se produz a dissociação como defesa para suprimir os sentimentos associados ao abuso.
- Nível de grounding limitado, expresso através de fortes tensões na zona pélvica e nas pernas.
4. CONCLUSÃO
A sexualidade é um fenómeno transversal a múltiplos aspectos da personalidade de qualquer indivíduo. De aí a importância que lhe é atribuída por todas as ciências do comportamento humano, da Biologia à Psicologia, da Medicina à Sociologia, etc.
Na área que nos interessa, como Psicoterapeutas Corporais e de Orientação Analítica, abordamos a sexualidade sob múltiplos aspectos, fundamentados, essencialmente, nas teorias da Psicanálise e da Análise Bioenergética.
Neste documento procurei reunir e integrar conhecimentos, estudos e teorias, sobretudo de carácter psicanalítico e bioenergético que proporcionem suporte conceptual aos estudantes e praticantes de psicoterapia bioenergética, no domínio do desenvolvimento da sexualidade, na chamada fase genital e edípica.
Queijas, 3-05-2011
© António Menezes Rocha
5. BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
ERIKSON, E., (1963): Childhood and Society. New York, W.W. Norton.
FISHER, S.; GREENBERG, R.(1996): Freud Scientifically Reappraised. New York, John Willey.
FREUD, S. (1933) New Introductory Lectures in Psychoanalysis. London: Hogart Press.
FREUD, S. (1940) An Outline on Psychoanalysis. London: Hogart Press.
FRIEDMAN, S.M.(1952) An Empirical Study of the Castration and Oedipus Complex. Genetic Psychology Monographs, 46, 61-130.
JEHU, Derek. (1988) Beyond Sexual Abuse. New York, John Willey & Sons.
JONES, E. (1948) Papers on Psychoanalysis. London, Baillière, Tindall & Cox.
KLINE, P. (1972) Fact and Fantasy in Freundian Theory. London, Methuen.
LOWEN, A. (1971) The Language of the Body. New York, Macmillan Publishing Company.
LOWEN, A. (1975) Love and Orgasm. New York, Collier MacMillan Publishers: Collier Books.
LOWEN. A. (1995) Joy. ARKANA, Penguin Group.
MAHLER, M.; PINE, F.; BERGMAN, A. (1977) El Nascimiento Psicológico del Infante Humano. Buenos Aires, Marymar.
ROHEIM, G. (1952). The Anthropological Evidence and the Oedipus Complex. Psychoanalitic Quarter, 21, 537-42.
RYCROFT, CH. (1995) A Critical Dictionary of Psychoanalysis. London, Penguin Books.
STORR, A.(2001). FREUD- A Very Short Introduction. Oxford University Press.
View PostLimites e Liberdade: Novos Caminhos Dentro do Corpo – Dra Estela Rodrigues
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LIMITES E LIBERDADE: NOVOS CAMINHOS DENTRO DO CORPO
Por Dra Estela Rubia de Paiva Rodrigues
RESUMO
Este trabalho desenvolveu-se a partir de alguns questionamentos intrínsecos à clínica psico-corporal. Por vezes indagava-me sobre a premissa básica reichiana da nossa capacidade de estarmos modulados e ressonantes com o meio ambiente e nossa demanda interna. Algumas questões foram colocadas:
De que modo nosso sistema de auto-regulação é suficientemente consistente dentro de nosso desenvolvimento para que tenhamos sinais perceptivos claros de contenção e expansão em nosso comportamento emocional, muscular e cognitivo? Quando devemos parar ou avançar? O que determina uma boa moldura que enquadra a acção? Como desenvolvemos limites adequados?
Essas questões serão utilizadas como premissas básicas para este estudo.
PALAVRAS-CHAVE
Formação de limites. Auto-regulação. Grounding. Pulsação. Territorialidade.
1. LIBERDADE
Liberdade é um tema universal, fundamentalmente ético e intrínseco à natureza humana. Liberdade é escolher. É a escolha de viver dentro de uma moldura, de um enquadramento. E escolher é possuir e perder, na consciência de que em cada escolha desenhamos o mapa das nossas vidas.
Quando falo em enquadramento, estou me referindo a uma mediação de forças entre o ritmo interno e externo, isto é, uma regulação entre os nossos desejos e necessidades em relação à realidade externa. Este ritmo é um enquadramento que dá liberdade.
Sentir liberdade dentro de si requer tempo: para ser, aprender, satisfazer uma curiosidade e avançar, para voar mais alto. Estar dentro do corpo, em contacto com nosso self é estar ancorado numa presença única: presença essa que é uma janela para a liberdade. Escolher uma moldura para acolher nossa liberdade é encontrar segurança.
No corpo, a liberdade é um tema localizado no plexo celíaco, o diafragma. É neste plexo que se encontram as emoções básicas como o medo, a raiva e o amor. É o coração do sistema vagal, que ligado ao sistema nervoso vegetativo, produz respostas viscerais de medo, luta e fuga, ansiedade, raiva e entorpecimento, tidas enquanto resposta de sobrevivência. Ligado ao plexo solar, rege a qualidade dos relacionamentos humanos: as ligações e separações. Está associado ao prazer que deriva do profundo conhecimento do nosso lugar único, conectado, dentro do universo.
Liberdade também é ousar, inventar, persuadir, lutar. É opor-se, enfrentar, defender-se e proteger-se. É ter coragem. Para isto é necessário conhecer nosso lugar no mundo, nosso lugar seguro e nossos limites.
A compreensão, reconhecimento e negociação entre meus limites e os limites do outro, dá-me o sentimento de possuir um território que constitui um lugar sagrado, um templo. “Ocupar um espaço” é primordial para situar-se no mundo como ser vivo e a partir daí criar relações e esta é a experiência mais remota da nossa existência, vivenciada desde a fecundação. O território do nosso ser e da nossa alma é o corpo e o espaço entre o corpo e o mundo externo, definido pela qualidade da vinculação que estabeleço.
Relaciono alguns temas a respeito de liberdade. São temas dialécticos e expressos em polarizações:
- Tema da extensão/expansão e contracção/contenção, isto é, ir para fora e depois recolher-se;
- Acção organizada e objectiva versus a raiva destrutiva;
- Ansiedade desesperada versus serenidade amorosa;
- Congelamento por stress emocional versus o fluxo de entrada e saída de informações;
- Carga versus contenção;
- Amor versus medo
- Poder e justiça, vitalidade, vontade e transmutação.
Metaforicamente, o tema liberdade e limites é como um rio que deixa suas águas correrem livremente, num movimento dançarino, serpenteando suas margens contentoras e sábias, podendo percorrer quilómetros por florestas e vales e montanhas adentro. No seu trajecto, deixa suas margens férteis, para a fauna e flora do lugar. Geralmente ao lado de um rio, nasce uma cidade.
As margens feitas de terra ou pedra, servem de limites que dão suporte e estrutura para o fluir da água. Esta é uma imagem de liberdade com enquadramento. Liberdade sem margens é um barco sem direcção, onde o vento leva. É estar aprisionado na imensidão de uma experiência de liberdade em excesso.
Os estados traumáticos provocam um rompimento em nossa contenção pessoal; podem expressar-se por enchentes que criam desastres e fazem com que as margens se rompam: fluxo sem margens é vazão. Ou podem expressar-se por secas, onde há uma margem alta com pouco fluxo.
Experiências traumáticas representam seca ou inundação emocional.
1.1. LIBERDADE E CARACTEROLOGIA
David Boadella, numa aula sobre “Trauma” em 2009 (Heiden, Suiça), descreveu como a liberdade pode ser exercida como um antídoto para flexibilizar as defesas caracteriológicas. Ele comenta várias formas do exercício da liberdade:
- Liberdade de acção: a responsabilidade e autonomia são qualidades anti-esquizoidia;
- Liberdade de poder: quando há muito poder, há pressão sobre o outro; com pouco poder, há vitimização pelos ditadores. Uma função anti-oralidade.
- Liberdade de actuar no outro ou em nós mesmos: a liberdade de acção é politicamente anti-manipuladora ou anti-psicopática;
- Liberdade para a culpa neurótica: é não assumir responsabilidade pelo que não lhe pertence. Um antídoto contra o masoquismo.
- Liberdade de acção produtiva e criativa. Desenvolve a capacidade para não se prender em rotinas. Uma forma anti-compulsiva de estar na vida.
- Liberdade de escolha: a terapia ajuda a desaprender condicionamentos e estar com a mente aberta para o presente. É o exercício da exploração e criatividade: um antídoto contra a rigidez.
2. LIMITES: “BOAS CERCAS FAZEM BONS VIZINHOS”
Também através da prática clínica, percebo cada vez mais a incidência de comportamentos impulsivos e traduzo esta tendência com questões onde o não pensado torna-se consciência: como lido com meus limites dentro do território pessoal, corporal, com o outro? Qual minha história de privação e/ou invasão? Como defendo meus limites?
De acordo com Bennett Shapiro (2006, p. 231), o limite saudável é “a interface carregada (energizada) entre nossos impulsos infantis e a resposta adequada de nossos pais a estes impulsos. Limites fortes e saudáveis se formam quando buscamos satisfação e realização e nossos impulsos, instintos e sentimentos naturais, são adequadamente correspondidos.”
E,
“o fluxo constante de impulsos(…)carrega a periferia do corpo para que ele fique em um estado de prontidão emocional para responder (…); uma periferia carregada se manifesta no tom e na cor da pele, no brilho dos olhos e na espontaneidade dos gestos e no estado relaxado e tonificado da musculatura do corpo (LOWEN, 1967, p 95).
Portanto, limites saudáveis e adequados reflectem uma pulsação entre carga e expansão para fora e conexão com o mundo e depois a descarga, com uma retirada para dentro de nós num isolamento saudável de contacto profundo com nossa experiência interna. Contexto e contacto ou o fluxo do mundo externo para o contexto interno é o fluxo da vida entre nós e os outros. Podemos caracterizar os estados pulsáteis na colocação de limites em diversas expressões da vida.
Dentro deste tema, focalizo:
- A capacidade de dar, receber e partilhar;
- A capacidade de expressão e contenção;
- Os sentimentos de integridade e desintegração tão importantes nos processos de mudança (organização e desorganização) que são movimentos básicos na formação dom self;
- A capacidade de mover-se (motilidade e mobilidade), isto é, voltar do equilíbrio dinâmico para o equilíbrio estático.
Estas polaridades são fundamentais para o amadurecimento psicológico; no surgimento de uma cristalização, os sentimentos de ansiedade são desencadeados com consequentes reacções defensivas.
3. CINCO CONDIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE LIMITES
De acordo com as observações feitas, concluí que a formação de limites possui 5 condições básicas para sua formação, apoiados sobre os seguintes estudos:
- VINCULO E SINTONIA
- PERCEPÇÃO E SENTIDOS
- NEUROCIÊNCIA E REGULAÇÃO (PULSAÇÃO)
- CONCEITO DE GROUNDING
- TERRITORIALIDADE
3.1. VINCULO E SINTONIA
Os bebes e as crianças possuem uma excitação natural: seus corpos, de uma maneira geral, ainda não foram perturbados por grandes impactos ambientais. Organizados dentro de uma essência preservada e activa, eles buscam contacto e comunicação (ou cuidados) com os adultos através de uma excitação motivada pelo impulso natural da vinculação.
Pais receptivos a estes impulsos funcionam como sondas sinápticas e ajudam a canalizar o movimento expressivo num fluxo vegetativo contínuo (carga/descarga/relaxamento) e devolvem à criança a quantidade de excitação adequada. A construção de limites saudáveis está na interacção ritmada entre a mãe e o bebe nos períodos iniciais não verbais do desenvolvimentos do self, formando a sua base somática. Assim o bebé vai desenvolvendo uma capacidade para acalmar a si próprio (self-soothing) (BOADELLA, 2005 p.12).
Os estudos de Bowlby e Ainsworth (1967) sobre os estilos de vinculação e Stern (1977) sobre a neuropsicobiologia do bebe, mostram modelos de diálogos ou “fluxos de contacto” no desenvolvimento infantil onde podem haver estados de invasão ou privação. Os contactos podem acontecer através de estímulos como o toque, o tom da voz, o contacto visual ou a ressonância empática. Estas formas de contacto são aspectos de boa sintonia. A falta ou excesso de estimulação contribuem para a formação desajustada dos limites.
3.2. PERCEPÇÃO E SENTIDOS
Os limites também são influenciados pelo fluxo de informação sensorial e percepção e pela experiência cinestésica. A percepção humana é composta por três tipos de informação:
- Interocepção: são informações que surgem do interior do corpo (batimentos cardíacos, respiração e peristalse).
- Propriocepção: informações que aparecem através do tônus muscular, do movimento e da postura (esquema motor).
- Exterocepção: surgem do ambiente e são captados pelos 5 sentidos. (SHERRINGTON, 1906).
Allan Schore (2003 apud Boadella, 2005), explica que estas três trilhas primárias moldam a mente através da comunicação corpo/cérebro. Sinais interoceptivos de prazer ou de dor são relacionados com a emoções primárias correspondentes como a excitação, raiva, dor, medo, prazer, aversão, tristeza. Sinais proprioceptivos estão relacionados ao tônus muscular necessários para a formação do esquema corporal e também para a formação de bases da sensação de grounding no corpo.
Sinais exteroceptivos são provenientes da camada embriológica ectodérmica que dão forma ao canal sensorial representados pelos cinco sentidos. O olfacto, paladar, o toque, a visão e a audição são estímulos fundamentais e moduladores, são mensagens não verbais impressas na memória celular, reflectidas no córtex orbito-frontal que é o centro da regulação emocional.
É por volta de um ano de idade, que este centro começa a desenvolver-se e somente aos 18 meses que está maduro. Até lá, a regulação da vida emocional do bebe fica dependente da auto-regulação materna, ou do cuidador substituto; na comunicação face-a-face, os olhos, a expressão facial, a vocalização, os gestos das mãos e da cabeça, fazem parte da interacção entre o cérebro do bebe e o da mãe, usados como canais de expressão das emoções e da percepção interpessoal. É desta forma que a self emergente e nuclear começa a ser experienciado, antes da estabilização do selfintersubjectivo.
3.3. NEUROCIÊNCIA E REGULAÇÃO
Regulação é um dos conceitos explorados por Reich e considerado como um dos pilares máximos da ênfase corporal nos processos psicológicos e no desenvolvimento caracterológico (NAVARRO, 1967), tendo sido pesquisado pelo neuropsicólogo francês Henri Laborit. A regulação é o aspecto mais fundamental do universo; está relacionado com padrões de organização e à manutenção das relações de ordem entre as partes e o todo, o que permite que os sistemas mudem e evoluam sem entrar em colapso.” (BOADELLA, 2005, p. 8).
O processo da vida depende do movimento de entrada, circulação e saída de energia; quando existem falhas nesta regulação, o processo resulta em polaridades entre hiper ou hipo-excitação extremas ou activação autónoma dupla. Os efeitos do equilíbrio e desequilíbrio na consciência cinestésica e das respostas proprioceptivas representam formas de desregulação vegetativa.
A neurociência interpessoal ou afectiva (KLOPSTECH, 2005), enquadra o cérebro como mediador básico para a regulação entre corpo, mente, emoções e relações interpessoais. Neste aspecto, a colocação de limites também se baseia em duas formas diferentes de estratégicas reguladoras: no controle consciente, voluntário e verbal dos estados emocionais do hemisfério esquerdo do cérebro, onde a regulação consciente consiste no sistema cognitivo (processo top-down), ou seja, na mudança do pensamento, mudamos também o sentir; e a função não verbal do hemisfério direito, onde a conversação emocional é considerada o substrato biológico do inconsciente e está relacionado a elementos não verbais das relações como por exemplo, a atenção e a empatia.
3.3.1. PULSAÇÃO
A pulsação dos elementos está em todo o universo através de movimentos de contracção e expansão. O conceito de expansão relaciona-se à emoção (ex-movere)no sentido de dar saída a um sentimento para fora do corpo, com consequente partilha emocional e descarga (prazer). O conceito de contracção está relacionado ao de remoção, isto é, voltar para trás, segurar o sentimento ou ficar invisível, resultando em angústia ou ansiedade.
Por sua vez, a regulação permite limites estáveis, porém flexíveis, que dão a sensação de individualidade e potência. Esta é uma função energética que produz sensação de segurança desencouraçada. O desenvolvimento da segurança e consequente formação de limites adequados acontece quando a quantidade de excitação que activa o S.N.V. simpático (sistema activador) proporciona uma experiência de expansão ou “alegria saltitante” (LISS, 2005 p. 30), ou quando provoca uma contenção que acalma a criança e dá-lhe suporte nas experiências de contenção através do S.N.V.parassimpático ou relaxador, componente que renova a energia (LISS, 2005, p. 31).
3.4. CONCEITO DE GROUNDING
Gostaria de explorar alguns estudos sobre o grounding e como ele está directamente relacionado com a construção de limites saudáveis. De acordo com Odila Weigand (2006), podemos menciona-los da seguinte forma:
3.4.1. Grounding postural
Estar com os pés firmemente no chão é contrário a estarmos flutuando pois supõe que o indivíduo não esteja descansando nem encostado em alguém ou alguma coisa e está em pé pelos próprios pés, dando-lhe maior sentido de independência. É uma forma de acessar e construir realidades e verdades, e de agir em realidades objectivas e subjectivas, de manifestar a força e a vontade necessárias (LOWEN, 1997).
3.4.2. Grounding interno e instroke (WILL DAVIS, 1999)
Auto percepção, auto expressão e auto-controle, no sentido da auto-regulação emocional ou inteligência emocional. Serve de fronteira protectora de um núcleo frágil. Significa contenção adequada de fluxos emocionais e energéticos.
3.4.3. Grounding de olhar (BAKER, 1980)
Contacto visual do bebe com a mãe nos primeiros 10 dias de vida.
3.4.4. Grounding no útero (LEBOYER, 1975) – “oceano cósmico de prazer e fusão (REICH, 1937).
3.4.5. Grounding baseado no holding handling, com a maternagem suficientemente boa para suporte do self emergente (WINNICOT, 1952).
3.4.6. Grounding e equilíbrio e gravidade
De acordo com Leo Van Buchen (2006) estar em pé, em grounding, não significa apenas nos deixarmos sustentar pela terra; para o fazer, temos de exercer uma força contrária à força da gravidade para mantermo-nos erectos e em equilíbrio constante e num “equilíbrio vertical de força”. Para o autor, a experiência de erguermo-nos empurrando o chão, dá-nos um sentimento de força e de diminuição do sentimento de impotência. Cria-se assim, um equilíbrio entre nossa própria força e todos os tipos de forças contrárias:
“A consciência de não ficar à mercê dessas forças é o recurso para se mover no mundo com autoconfiança essencial e assumir seu lugar e seu espaço necessário, inclusive para se mover sem se colocar de lado.” (BUCHEN, 2006, p. 26)
3.5. TERRITORIALIDADE
Qual o impulso que sustenta a necessidade de marcar espaço?
É a angústia do espaço vazio e a apreensão do desconhecido, preencher o espaço vazio é situar-se no mundo como ser vivo reconhecido e legitimado.
Dominar um território desencadeia sentimentos de satisfação e conforto, aliados à vinculação do proprietário com um objecto, pessoa ou espaço. O indivíduo “vinculado” (comprometido) sente-se no “direito” de defender seu território e desenvolver-se nele e através dele.
Compreensão, reconhecimento e negociação entre os meus limites e os limites do outro caracterizam a demarcação do território (JEZEQUEL, 2004).
4. CONCLUSÃO
Através destes estudos, foi criada uma estrutura de trabalho dentro do espaço de um tapete redondo (campo organizante), que visa refazer o desenvolvimento neuropsicomotor, “relembrando” o corpo de suas etapas iniciais básicas, com modulações de movimentos reparadores, que poderão ser utilizadas em grupo e em atendimentos individuais. São exercícios que ao mesmo tempo promovem aumento da carga energética, embora estejam colocados dentro de um contexto acolhedor, deixando o cliente em contacto consigo mesmo.
BIBLIOGRAFIA
BOADELLA, D. Afeto, Vínculo e Sintonia: inspirado no diálogo com os três volumes do trabalho de Allan Schore. In CORREIA, M e FRANKEL, E. Energy & Character: International Journal of Biosynthesis. Tradução e revisão: Escola de Biossíntese do Rio de Janeiro, vol. 34, p. 7-16, 2005.
BOADELLA, D. Extension course in Biossyntesis: Trauma Heeling “Frame and Freedom.. Heiden, Suiça, Setembro de 2009
BUCHEM, L. V. Emoções, Movimento e Equilíbrio. In CORREIA, M e FRANKEL, E. Energy & Character: International Journal of Biosynthesis. Tradução e revisão: Escola de Biossíntese do Rio de Janeiro, vol. 34, p. 17-28, 2005.
JEZEQUEL, A. Memórias de território. Lisboa: Ed Climenpsi, 2004.
KLOPSTECH, Â. Catarse e Auto regulação revisitadas: considerações clínicas e científicas. Cadernos de Análise Bioenergética, vol. 15, pp 101-133, 2005.
KLOPSTECH, Â. Que corpo é este? Os conceitos sobre o corpo em psicoterapia. Comunicação feita na conferência inaugural do Northern College for body Psycotherapy em Lancaster, Inglaterrra, 2008.
LISS, J. A neurofisiologia das Emoções e da consciência: Uma Pesquisa Recente. In CORREIA, M e FRANKEL, E. Energy & Character: International Journal of Biosynthesis. Tradução e revisão: Escola de Biossíntese do Rio de Janeiro, vol. 34, p. 29-37, 2005.
LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus Editorial, 1982.
Stern, D. The first relationship: infant and mother. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1977.
WEIGAND, O. Grounding e Autonomia: A terapia corporal revisitada. São Paulo: Edições Person, 2006. P. 44-65.
ESTELA RUBIA DE PAIVA RODRIGUES
Psicologa clínica e educacional; psicoterapeuta somática, C.B.T. e local trainer pelo Instituto de Análise de Bioenergética de são Paulo, Brasil; trainer júnior em Biossíntese (Portugal e Espanha) e membro do IFB –International Foundation for Biossyntesis (Heiden-Suiça); formadora de cursos em Psicoterapia Somática em Lisboa-Portugal, especialista em Vegetoterapia Caractero-Analítica. Supervisora.
View Post22° CONFERÊNCIA INTERNACIONAL do IIBA
” The Grounded Body as a Safe Place in Difficult Times “
29 maio – 2 junho, 2013
Palermo, Sicília, Itália
Poderão consultar informação mais detalhada no Site do IIBA ou aceder ao Programa da Conferência em PDF.
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