“Até a mais longa caminhada começa por um pequeno passo”
Confúcio (Filósofo e Teórico Social – 551 – 479 a.C.)
“A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em buscar novos territórios mas sim em ter olhos novos”
Marcel Proust (Autor do romance “Em busca do tempo perdido”)
“Não se pode desatar um nó sem se saber como foi feito”
Aristóteles (384 AC-322 AC) Filósofo grego
“Quando já não somos capazes de mudar uma situação, encontramo-nos perante o desafio de nos mudarmos a nós próprios”
Victor Frankl (filósofo existencialista)
“A psicoterapia é demasiado benéfica para que a limitemos aos pacientes”
Fritz Perls (Modelo terapêutico gestáltico)
1. INTRODUÇÃO
Propõe-se uma reflexão em torno do que é ser psicoterapeuta na atualidade, interligando o que poderíamos designar por perfil de competências do psicoterapeuta com aquilo que vários investigadores e clínicos de grande reputação entendem por psicoterapia; são revistos os elementos essenciais desta disciplina científica e o que os grandes modelos de psicoterapia têm em comum. Discute-se, a propósito, qual é o lugar da Análise Bioenergética dentro do panorama dos vários modelos.
É, por outro lado, objetivo do trabalho dar um caráter mais universal aos conceitos de psicoterapia e psicoterapeuta. Sem querer descaracterizar determinados modelos, que representam muitas vezes linhas de investigação e de inovação de grande interesse, pretende-se integrar os resultados e o que de mais positivo, científica e clinicamente válido, possuem os diferentes modelos tendo em vista uma hipotética ciência da psicoterapia. Em torno do núcleo central do trabalho, ou seja, ser psicoterapeuta, opta-se por uma linha de referência, preferencialmente consistente com os princípios psicodinâmicos, mas vai-se mais além.
Assim, o psicoterapeuta seria um profissional dotado, por um lado, de determinadas competências relacionais e, por outro, conhecedor e experiente na utilização de um vasto conjunto de ferramentas técnicas. Como é sabido, a eficácia terapêutica depende, na prática, da justa combinação de ambas: competências técnicas e competências relacionais.
O suporte bibliográfico do trabalho vai de S. Freud a H. Strupp, de Erwin Singer a Irving Weiner, de Erich Fromm a H. S. Sullivan, de Reich a Lowen e muitos outros.
Gostaria de dizer que a escolha do tema se deve ao facto de se tratar de uma atividade que desempenho com paixão há mais de trinta anos. A opção por ser psicoterapeuta em vez de ser analista bioenergético, só porque estamos numas jornada de análise bioenergética, constitui um desafio para sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética, o qual, penso, pode estimular a inovação, a flexibilidade intelectual, o desenvolvimento profissional e pessoal.
Por outro lado, não podemos esquecer que temos muito em comum com os profissionais de outros modelos diferentes do nosso e que integram esta mesma disciplina científica aplicada, a psicoterapia.
Além disso, devemos ter presente que vivemos num mundo globalizado, também a nível científico, o que nos permite ter acesso a uma enorme quantidade de conhecimento que, devidamente filtrado, pode enriquecer o nosso trabalho psicoterapêutico. O filtro deve ser dado pela sabedoria a fim de se evitar cair na superficialidade; e recordo, a propósito, o grande poeta T. S. Eliot: Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
Vou seguidamente deter-me em torno do conceito de psicoterapia e respetivos modelos, para depois me centrar, então, no que considero ser psicoterapeuta.
2. O QUE É A PSICOTERAPIA?
Para compreender o que é a psicoterapia há que partir, necessariamente, dos modelos, abordagens ou escolas de psicoterapia. Parloff (1979) citado por Goldfried, M. R (1982) fala de mais de 130 modelos enquanto outro autor, o espanhol Ávila Espada, A. (1994) mais sintético, apresenta uma classificação, baseada em critérios teóricos, com 43 abordagens psicoterapêuticas diferentes. Ao que parece, com o passar dos anos, os modelos aumentam. Maclennan, em 1996, já registava 450 tipos de psicoterapia.
Esta diversidade de enfoques irá ajudar-nos a esclarecer o que é a psicoterapia ou, pelo contrário, irá semear mais confusão?
Antes de responder à pergunta, talvez seja útil tentar compreender os motivos de tanta variedade. Proponho-me sintetizá-los nos que me parecem ser os principais:
- A complexidade do ser humano e das diferenças individuais, resultante dos múltiplos processos psicológicos, deu origem a diferentes abordagens teóricas e, por conseguinte, à elaboração de variadas técnicas e estratégias psicoterapêuticas face à disfuncionalidade, à patologia mental e emocional.
- Por outro lado, é um facto histórico que, a exemplo de Freud, se criaram múltiplos institutos ou sociedades em torno de figuras carismáticas.
- Outro facto que contribuiu para a multiplicação de modelos é o conhecido divórcio entre investigadores e clínicos.
Perante tal dispersão ou diversidade, como queiramos chamar-lhe, no último quarto do século passado, sobretudo nos Estados Unidos da América, surgiram vários movimentos, encabeçados por personalidades das diversas correntes psicoterapêuticas e com atividade relevante nas áreas da investigação, da clínica ou do ensino, que propuseram a realização de fóruns e de conferências para debater os pontos comuns dos seus objetos de estudo e a diversidade dos seus enfoques e teorias. Assinalo aqui, de passagem, que Lowen participou, que eu tenha conhecimento, pelo menos numa destas famosas conferências em 1990, organizada na Califórnia pela Fundação Milton H. Erickson e em que participaram 6 800 profissionais e a crème de la crème dos chefes de fila de então, tais como Aaron Beck, Albert Ellis, James Bugental, James Masterson, Judd Marmor, Salvador Minuchin, Rollo May, Carl Whitaker, Miriam Polster, Thomas Szaz, Al Lowen e outros.
É verdade que estas iniciativas não deram lugar a fusões ou parcerias, para utilizar uma linguagem muito em voga hoje em dia. Contudo, algo ficou e permanece. E foi sobretudo a tentativa por parte de muitos autores, clínicos e investigadores de iniciar um movimento, um Zeitgeist, em direção a um objetivo, talvez ainda distante: constituir uma ciência da Psicoterapia, com o melhor que cada escola ou movimento tenha produzido.
Em vez desta autêntica exibição de modelos e marcas do passado (e que, todavia, se observa atualmente em certos meios), foi-se impondo uma realidade e hoje vários autores competentes, flexíveis e abertos à aproximação entre a investigação e a clínica, chegaram a um consenso em relação à existência de alguns poucos sistemas ou tipos de psicoterapia, claramente diferentes entre si, baseados em outros tantos modos de conceptualizar o comportamento normal e desajustado. Assim, teríamos: as terapias psicanalíticas e psicodinâmicas, onde em minha opinião se deve incluir a Análise Bioenergética; as terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais; e as terapias humanistas e existenciais.
A partir dos factos que acabo de descrever, creio que podemos sintetizar este fenómeno da diversidade de modelos na existência de duas linhas de pensamento: uma que tende para a criação de uma ciência da psicoterapia, construída a partir de múltiplas e qualificadas experiências terapêuticas, cujos resultados seriam organizados e analisados sob a perspetiva da investigação clínica e do rigor científico; outra, defendida por muitos psicoterapeutas, que afirmam não precisar de qualquer demonstração, científica ou outra, para provar os benefícios, para o paciente, do seu trabalho psicoterapêutico.
Todos nós, ou pelo menos uma grande maioria dos que praticamos a Análise Bioenergética integramos, de algum modo, esta segunda categoria. Mas deixemme que lhes dê a minha opinião: não perdemos nada, pelo contrário, só temos a ganhar se mudarmos de atitude e aderirmos pouco a pouco à primeira linha de pensamento. Os perigos associados à segunda linha de pensamento são, entre outros: a obediência a um espírito doutrinário, típico dos grupos fechados e das seitas; a autocomplacência e a estagnação por não querer ouvir as críticas ou por não estar aberto à polémica; a probabilidade de ser assimilado a muito charlatanismo ou exotismo que, infelizmente, entrou e continua a entrar por esta linha de pensamento.
Depois de ter enquadrado a psicoterapia em relação aos vários modelos e às tendências de aproximação ou de distanciamento e independência entre eles, vou deter-me um pouco em torno da definição de psicoterapia, excluindo de entrada o que não é psicoterapia para facilitar o caminho. Frank J. D. (1961) e Strupp, H. (1968) excluem do âmbito da psicoterapia o que chamam outras formas de “cura psicológica”, entendendo como tal as práticas baseadas na fé que cura, a conversão religiosa, a lavagem ao cérebro ou a própria medicina.
A psicoterapia pode definir-se em função de diversos critérios, tais como: os objetivos; os métodos utilizados para a modificação dos desajustamentos da personalidade; a relação interpessoal, etc. Pode definir-se em função de se colocar mais ênfase no insight ou na mudança comportamental. E, finalmente, pode definir-se em função do próprio processo e dos efeitos esperados. Por tudo isto, podem imaginar a quantidade de definições possíveis do que é a psicoterapia. O meu objetivo será, pois, com recurso à síntese, à abstração e à transversalidade, encontrar uma definição o mais abrangente possível dos diversos modelos. Na revisão da literatura sobre o tema, encontram-se as seguintes notas definidoras:
2.1. A relação interpessoal
2.1.1. Comunicação e compreensão
No centro da relação interpessoal na psicoterapia está a comunicação explícita por parte do terapeuta, na relação com o paciente, de que o compreende, o respeita e de que o quer ajudar. Esta relação traduz-se na criação de uma relação intensa de confiança entre o paciente e o terapeuta, um profissional conhecedor e com experiência.
2.1.2. Uma relação profissional, não uma relação de amizade
Os interesses, as necessidades e o bem-estar do paciente constituem o objeto central da compreensão e da ajuda prestada pelo psicoterapeuta. O que significa, por outro lado, que as necessidades do terapeuta, sejam elas de que tipo for, não devem interferir em nada na relação psicoterapêutica.
2.1.3. Obrigações e restrições
Na relação terapêutica há que deixar claras certas obrigações e restrições, bem como tudo o que integra o contrato terapêutico.
2.2. Os métodos e as técnicas utilizados
Já Freud (1904) dizia que “a psicoterapia oferece-nos procedimentos e caminhos muito diferentes. Qualquer um será bom, desde que nos conduza ao fim proposto, à cura do enfermo.”
Estudos empíricos recentes (Lambert e Bergin, 1992; Smith, Glass e Miller, 1980; Luborsky, Singer e Luborsky, 1975; Norcross, 1988; Lipsey e Wilson,1993), baseados em amostras de pacientes e de problemas de pacientes, confirmam que os modelos psicoterapêuticos mais comummente usados são praticamente equivalentes quanto aos resultados obtidos. Os dados, por outro lado, revelam que a pessoa comum tratada através da psicoterapia alcança um melhor nível de saúde mental em 80% dos casos, em comparação com os grupos de controlo dos estudos de investigação. O que sucede, porém, e é digno de registo, é que um indivíduo concreto pode responder mais facilmente a um determinado tipo de método ou modalidade psicoterapêutica, em função do seu tipo de personalidade ou das suas preferências. Por outro lado, para determinada sintomatologia, um paciente poderá retirar melhores resultados de determinados procedimentos técnicos que sejam utilizados. Cabe aqui citar também a química que se pode estabelecer entre terapeuta e paciente. Um terapeuta poderá trabalhar melhor ou pior com determinados grupos etários (crianças, adolescentes, adultos, terceira idade) ou com determinadas patologias, ou carateres, ou histórias de vida, etc.
Com esta informação sobre a eficácia dos principais modelos terapêuticos e a equivalência entre eles, é chegada a hora de os psicoterapeutas deixarem de proclamar que determinado modelo é intrinsecamente superior a outro ou, pior ainda, que têm o monopólio da verdade (Weiner, I., 1998).
2.3. As metas ou objetivos da psicoterapia
Finalmente, a outra característica comum aos principais modelos psicoterapêuticos é a referência explícita aos objetivos da terapia, que Strupp (1996) sintetiza “na libertação do sofrimento e no crescimento pessoal mediante uma relação profissional”.
Por seu lado, Weiner (1998) de uma forma mais pormenorizada refere-se assim às metas ou objectivos da psicoterapia que consistem em “libertar o paciente do sofrimento emocional, acompanhá-lo na procura de soluções para os problemas que tem na sua vida e ajudá-lo a modificar as características de personalidade e os padrões de comportamento que estão a impedi-lo de se auto-realizar e de obter gratificação, tanto no seu trabalho como nas suas relações interpessoais.”
Para Lowen (1985), a psicoterapia “visa ajudar o paciente a entrar em contacto com o seu self, que não é uma pura construção mental, mas sim um fenómeno corporal e para isso é necessário, mais do que a análise, conseguir o contacto com os próprios sentimentos, não lhe bastando falar dos sentimentos; há que senti-los e expressá-los”.
2.4. E finalmente a definição de psicoterapia
Refletindo o estado da arte, vou apresentar-lhes, por um lado, os critérios que devem entrar na compreensão da essência e natureza da psicoterapia, segundo John M. Reisman (1971), autor de Toward the Integration of Psychotherapy; e, por outro, uma definição que pretende ser universal, ou seja, que integra, de algum modo, todos os elementos implícitos ou explícitos que constam de uma ampla lista de definições de autores muito diversos, pertencentes às principais correntes psicoterapêuticas.
Para Reisman, qualquer definição de psicoterapia, sob pena de ser considerada parcial, deverá ter em consideração: os objetivos, os procedimentos, os profissionais e o tipo de relação.
Uma definição pormenorizada, que tem em conta os critérios referidos por Reisman, é a que propõe Alejandro Ávila Espada, que entende que a psicoterapia é um conjunto de sistemas teórico-técnicos aplicados (de caráter interdisciplinar quanto aos seus objetivos e multiprofissional na sua prática) derivados de modelos teóricos e de investigação de diferentes ciências e que tem como finalidade principal a resolução, por meios psicológicos, das perturbações do comportamento e/ou a indução de mudanças estáveis nos diferentes níveis de expressão do comportamento, a fim de se alcançar o bem-estar biopsicossocial dos indivíduos em sociedade.
Em contraste com a definição ampla de Ávila, vejamos para concluir este capítulo a definição de Hans Strupp, um psicanalista, que coloca o acento sobretudo na qualidade da interação: a psicoterapia compreende uma pessoa que reconheceu que necessita de ajuda, um perito que consentiu em proporcionar essa ajuda e uma série de interações humanas, cujo caráter costuma ser extremamente intrincado, subtil e prolongado, e tem por objetivo produzir mudanças benéficas nos sentimentos e comportamento do paciente, mudanças que a sociedade, genericamente, considerará como sendo terapêuticas.
3. SER PSICOTERAPEUTA
Genericamente, para ser um bom psicoterapeuta são necessárias determinadas competências de relação interpessoal, assim como um conjunto de fatores indispensáveis que valorizam a expressão dessas mesmas competências.
3.1. Competências na relação interpessoal
Irving Weiner sintetiza a posição de diversos autores, predominantemente da área dinâmica, no que diz respeito às competências na relação interpessoal que um psicoterapeuta deve possuir e que, segundo ele, seriam: calor humano, autenticidade e empatia. Vale a pena determo-nos um pouco no que significa cada uma destas competências.
3.1.1. Calor humano
Por calor humano entende-se a aceitação incondicional do paciente, das suas características pessoais, estilo de vida e história pessoal. Ao aceitar e respeitar o paciente tal como ele é, sem o julgar nem o dominar ou submeter, o terapeuta está a mostrar o calor humano de que o paciente necessita para se sentir seguro e confiante na situação de psicoterapia, assim como para deixar cair as reservas (defesas e resistências) e aumentar a sua disponibilidade para se envolver no processo.
A aceitação incondicional significa que o terapeuta respeita o direito do paciente a ser a pessoa que é; mas não, necessariamente, que respeita tudo o que o paciente pensa, diz ou faz.
Por fim, ainda que o calor humano não deva ser possessivo, como quando o terapeuta assume a responsabilidade do que o paciente deve sentir ou do que é melhor para ele, também não deve ser impessoal. Vejamos o exemplo de um terapeuta cuidadoso, mas possessivo ao dizer a um paciente “isto é o que eu gostaria que fizesses”. Ao atuar assim, o terapeuta está a privar o paciente da responsabilidade em relação às suas ações. Sem deixar de estar implicado, de forma calorosa, o terapeuta deveria antes dizer algo como “parece-me que não te saíste tão bem dessa situação como gostarias”.
3.1.2. Autenticidade
Todos sabemos que o paciente deve ser capaz de expressar pensamentos e sentimentos de forma aberta, confiante e não defensiva para que, desse modo, possa retirar o máximo partido da psicoterapia. Ao proporcionar-lhe segurança com o seu calor humano, o terapeuta já está a facilitar, em certa medida, a entrega do paciente, mas também é verdade que os pacientes têm dificuldade em confiar e em mostrar-se abertos, a menos que sintam que há da parte do terapeuta uma relação de abertura e confiança. Nisso reside a autenticidade do terapeuta, que consiste em manter uma relação de compromisso com os pacientes, baseada na honestidade e na verdade. Ser autêntico significa para o terapeuta ser uma pessoa genuína, que diz o que sente e apenas faz o que para ele é verdadeiro e natural.
Já Freud (1915) dizia que “o tratamento psicanalítico baseia-se na confiança”. E avisava que, quando um paciente apanha o terapeuta numa mentira, dificilmente volta a confiar plenamente nele.
Há que esclarecer que ser autêntico não significa que o terapeuta tenha de expressar todos os seus sentimentos ou que tenha de falar dos seus assuntos pessoais. Significa, sim, que é sincero quando expressa os seus sentimentos e que estes são coerentes com as suas vivências internas; do mesmo modo, qualquer assunto particular que opte por revelar representará sempre um aspeto real de si próprio. Convém mencionar que os pacientes têm dificuldade em reconhecer a pessoa real do terapeuta, se este se esconde por detrás de uma fachada profissional e mantém sistematicamente uma pose impessoal; do mesmo modo, sentirão que têm à sua frente um terapeuta irreal, se este começar, por exemplo, numa primeira sessão, a falar da sua vida pessoal ou a comentar assuntos pessoais ou conflitos não resolvidos.
3.1.3. Empatia
A empatia é a capacidade que uma pessoa tem de se colocar na pele de outra e de compreender as suas necessidades e os seus sentimentos. Em psicoterapia, a compreensão empática define a sensibilidade especial do terapeuta para captar o significado do que o paciente diz ou faz. Os terapeutas empáticos são capazes de perceber com exatidão os sentimentos e os pensamentos do paciente e de entender o que para ele significam, tanto em relação com o que está a vivenciar num determinado momento, como em relação com o que está fora do seu conhecimento consciente.
A empatia do terapeuta transmite ao paciente uma compreensão profunda que o vai ajudar a alargar o seu campo de consciência e a conhecer-se melhor.
Para ser verdadeiramente eficaz, o terapeuta empático tem de ser capaz não só de compreender os seus pacientes, mas também de comunicar essa compreensão de tal maneira que os pacientes possam, eles próprios, compreendê-la e aceitá-la.
A investigação tem demonstrado que a pessoa que se sente aceite, merecedora de respeito e objeto de uma atenção incondicional por parte de um profissional com experiência e empático, que põe as suas competências ao serviço do seu desenvolvimento pessoal, leva quase sempre os pacientes a sentir-se melhor em relação a si mesmos, a experimentar otimismo quanto aos benefícios esperados do tratamento e a participar com entusiasmo no trabalho da terapia.
3.2.Fatores que valorizam as competências relacionais
3.2.1. Formação e experiência
Quando falamos de formação do psicoterapeuta estamos, segundo Alejandro Ávila e sobretudo Irving Weiner, a referir-nos a:
- Uma formação especializada, assente na aquisição de conhecimentos teóricos e de técnicas psicoterapêuticas de um determinado modelo, no nosso caso, o modelo dinâmico e corporal;
- A realização de uma psicoterapia pessoal para ampliar o autoconhecimento e libertar o terapeuta de interferências neuróticas no seu trabalho;
- A supervisão realizada por um terapeuta com um nível de experiência muito superior ao do terapeuta principiante;
- A formação contínua teórico-clínica mediante os mais diversos tipos de atividades de reciclagem; trata-se de manter-se atualizado em relação aos novos conhecimentos adquiridos na nossa área e em áreas conexas. Dou como exemplo os inúmeros avanços na área da neuropsicologia, a investigação e as aplicações clínicas relacionadas com a teoria da vinculação, o DSM V- Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), um manual para profissionais de saúde mental que lista diferentes categorias de perturbações mentais e critérios de diagnóstico, de acordo com a la American Psychiatric Association – APA, cuja 5ª edição apareceu em Maio de 2013. É usado em grande parte do mundo por clínicos e investigadores, assim como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e parlamentos políticos.
- Um compromisso com a investigação clínica, traduzida na recolha sistemática de dados dos pacientes atendidos, no sentido de formular hipóteses e de apresentar evidências empíricas à comunidade científica.
No que se refere à experiência, estou de acordo com Weiner, que não concorda com os que dizem que os terapeutas com pouca experiência, desde que sigam as regras de tratamento dos cursos ou manuais de formação, obtêm resultados equivalentes aos terapeutas mais qualificados e com maior experiência. E cita os trabalhos de vários autores (Tracey, Hays, Malone e Herman, 1995; Holloway e Neufeld, 1995; Brody e Farber, 1996), que fundamentam empiricamente como uma boa formação associada a uma experiência relevante contribuem para a obtenção dos melhores resultados.
3.2.2. A psicoterapia pessoal como meio de alargar o auto-conhecimento e/ou libertar o terapeuta de interferências neuróticas no seu trabalho
Apesar de fazer parte da lista de itens da formação do psicoterapeuta, convém aprofundar um pouco mais este fator crucial para o desenvolvimento do bom trabalho do psicoterapeuta.
Freud foi o primeiro a chamar a atenção para os perigos da contra-transferência, ou seja, a possibilidade do analista transferir elementos dos seus problemas passados ou presentes para a situação analítica, podendo prejudicar o curso neutral e objetivo do processo terapêutico.
Voltando a Weiner, para se libertar das interferências neuróticas no seu trabalho, o terapeuta tem de ter muito clara a dinâmica da sua própria personalidade, em particular no que diz respeito a tudo o que o faz sentir ansioso ou irritado, como se sente em relação às figuras importantes da sua vida ou porque se comporta desta ou daquela maneira nas mais diversas situações. Só com um elevado grau de autoconhecimento é que os terapeutas podem distinguir de modo adequado o comportamento do paciente das suas próprias reações face a um determinado comportamento.
As atitudes ou conflitos não resolvidos do terapeuta podem interferir de maneiras muito diversas na objetividade do processo. Para não me alongar demasiado, vou apenas referir, genericamente, algumas situações em que o terapeuta deve estar de sobreaviso. O princípio consiste em que o terapeuta deverá evitar retirar da relação terapêutica qualquer tipo de satisfação das suas necessidades pessoais, tais como estimular a sua auto-estima mediante comportamentos que possam ser entendidos como domínio ou desvalorização do paciente; ou satisfazer necessidades sádicas, sendo cruel com o paciente; ou satisfazer necessidades de dependência procurando favores do paciente. Enfim, o terapeuta deverá ter consciência clara de que está ali para colmatar as necessidades do paciente e não as suas próprias necessidades.
Tudo isto, porém, não é nada fácil. Daí a importância da terapia pessoal que, segundo alguns investigadores (Holzman, Searight e Hughes, 1996), é um requisito generalizado em grande parte dos programas de formação de terapeutas.
Convém também referir que o terapeuta não é, à partida, um indivíduo perfeito, livre de problemas pessoais. Não tem de ser um modelo de equilíbrio psicológico, isento de sintomas neuróticos, de preferências exóticas ou, em geral, de problemas, para ser um bom terapeuta. O que se tem de saber é que os elementos neuróticos da sua personalidade não devem interferir em nada na objetividade e no empenho com que deve tratar as necessidades do paciente na situação terapêutica. Daí a importância crucial da terapia pessoal do futuro psicoterapeuta.
Quando a falta de competência do terapeuta, seja de caráter técnico, seja de caráter relacional, ultrapassa determinados limites, podemos estar já a falar de violações do código de conduta e de princípios éticos.
3.2.3. A combinação de competências técnicas e relacionais
A generalidade dos psicoterapeutas e dos investigadores está de acordo em fazer depender a eficácia da psicoterapia de uma combinação equilibrada de competências técnicas e de relação interpessoal.
Embora seja difícil falar separadamente de umas e outra em termos de eficácia, vou ilustrar com algumas situações aspetos que estariam mais do lado das competências técnicas ou mais do lado das competências relacionais.
3.2.3.1. Do lado das competências técnicas estariam situações, tais como:
- Saber se, em determinada situação, as necessidades do paciente seriam melhor satisfeitas com psicoterapia ou com outra forma de tratamento;
- Decidir sobre o que se vai comunicar a um determinado paciente, quando dizê-lo e que palavras utilizar;
- Identificar os sinais que configuram resistências e saber interpretar e confrontar o paciente com as suas tentativas falhadas de evitar tomar consciência e esconder-se dos outros;
- Possuir suficiente clarividência na utilização do contacto em psicoterapia corporal; quando utilizá-lo, como, com que pacientes e em que circunstâncias, com plena certeza de que está a servir as necessidades do paciente e não as do terapeuta;
- Ter bem presente que, ao fazer interpretações antes do tempo certo, correm-se riscos tais como poder estar a fazer uma interpretação errada, contribuir desse modo para reforçar as defesas do paciente, etc.
- Fazer com que o paciente alcance um estado em que as recordações dolorosas do passado possam ser gradualmente toleradas;
- Compreender a tendência de qualquer ser humano para transferir padrões de relação interpessoal do passado para o presente e saber utilizar esta tendência transferencial para promover experiências corretivas.
3.2.3.2. Do lado das competências relacionais estariam situações, tais como:
- A criação de um clima adequado de trabalho, que Strupp define como de empatia e de aceitação, e que deve constituir a tarefa primordial do terapeuta;
- O desenvolvimento da aliança de trabalho, fator largamente mencionado como fundamental em diversos tipos de psicoterapia; criado por Greenson (1965) e mais tarde desenvolvido por Bordin (1994), o conceito de aliança de trabalho ou aliança terapêutica implica:
- O entendimento mútuo e o acordo entre paciente e terapeuta sobre quais são os objetivos da terapia;
- O compromisso dividido entre terapeuta e paciente no que diz respeito às tarefas necessárias para a obtenção dos objetivos;
- Uma ligação afetuosa entre eles, capaz de sustentar a respetiva cooperação na resolução de choques ou tensões, que surgirão inevitavelmente ao longo do percurso da psicoterapia.
Separar as competências técnicas das competências relacionais apenas tem sentido em termos didáticos. Em termos terapêuticos valorizar umas em detrimento das outras é um erro. Termino com uma frase de Weiner, que sintetiza assim a importância de harmonizar ambos os tipos de competências: a maestria técnica só é útil nas mãos de terapeutas que conseguem alimentar uma relação com os seus pacientes de tal modo que estes escutam, compreendem e confiam no que eles lhes comunicam apesar da dureza que a mensagem possa ser e é, muitas vezes.
4. E FINALMENTE UMA PALAVRA SOBRE A ANÁLISE BIOENERGÉTICA
Existem duas ideias fulcrais ou dois pressupostos que estiveram na génese da minha apresentação:
1- A universalidade da psicoterapia como disciplina científica aplicada;
2- A possibilidade de construir essa mesma disciplina com o melhor de cada modelo psicoterapêutico ou linha de inovação clínica.
E é precisamente aqui que cabe dizer uma palavra sobre a Análise Bioenergética. Não me vou estender ou não estivesse perante uma plateia de peritos em Análise Bioenergética. Quero simplesmente, na sequência do exposto na minha apresentação, dizer duas coisas:
1- Que a abordagem psicocorporal em psicoterapia, proposta por Reich, Lowen e outros, significa uma contribuição enorme, diria mesmo revolucionária, para o desenvolvimento da psicoterapia como ciência clínica aplicada;
2- Que a Análise Bioenergética, como associação e modelo científicos, deve primar por uma estratégia de promoção concertada, com base na sua clara inserção no modelo dinâmico da psicoterapia e na fundamentação empírica do trabalho clínico, dotando-o do maior rigor científico.
5. CONCLUSÃO
O meu propósito com esta apresentação foi sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética e proporcionar-vos desse modo uma experiência que resultasse simultaneamente refrescante e formativa.
Uma coisa posso dizer-vos e é que, em nenhum momento, durante o tempo de elaboração deste trabalho, senti que os conceitos, as estratégias de trabalho terapêutico, enfim, toda a bagagem clínica, científica, formativa, ética, etc., referenciada, entrassem em conflito com o nosso modelo da Análise Bioenergética. Tudo o que ia recolhendo, articulando, ponderando sempre tinha sentido para mim como Psicoterapeuta Bioenergético. O pensamento que uma ou outra vez me assaltava tinha mais a ver com a vantagem, para a suposta Psicoterapia universal, do contributo das ferramentas da Bioenergética para complementar e enriquecer o trabalho de qualquer psicoterapeuta.
Espero que todos e todas vós tenhais sentido do mesmo modo, o que comprovaria a minha tese inicial de que fazer a experiência de, por um momento, sair da caixa, out of the box da Análise Bioenergética, pode resultar extremamente interessante e enriquecedor.
Se a minha tese, porém, não se comprovasse, o que nem deixaria de ser salutar, isso daria lugar a uma interessante e enriquecedora polémica que, estou certo, nos permitiria dar mais um passo na direção da abertura de novos caminhos, novas ideias, que contribuiriam para o desenvolvimento da Psicoterapia como uma disciplina aplicada e universal.
Sintra, 11 de Outubro de 2012
António Menezes Rocha